07 agosto 2017

Recordações do dia que passa

O post de hoje é todo feito sob o signo da lembrança: hoje, mas há exactamente nove anos, estava a chegar ao Zimbabwe. E hoje, mas há exactamente nove anos, escrevi dois posts: um subordinado ao título a minha mala é um queijo da serra (que copio mais abaixo) e outro subordinado ao título aniversário, no qual, lá de longe no espaço e no tempo, dava um beijo de parabéns à ETM, uma amiga que nunca me faltou quando precisei e a quem telefonarei ainda hoje. 

Hoje é isto, amanhã não sei...

JdB

***

Na generalidade, penso que todos temos um potencial racismo interior, pronto a eclodir ao menor sinal. Estou em África, pelo que falo em relação aos que cá vivem e aos que de cá são naturais. Um nativo simpático e educado ganha o estatuto de encantador. Ao lado dele, um jovem que comete um erro transforma-se num incompetente que vive num país que não funciona, porque senão tê-lo-ia despedido antes de o contratar. Entre a cristandade que deseja abraçar o seu irmão de côr e a superioridade que pretende defenestrar o mesmo cavalheiro há um nada que mal se vê. Eu conto:

Fui buscar ontem a minha mala ao aeroporto de Harare, 24 horas depois de eu próprio ter chegado. Mantive a higiene mínima graças ao pronto-a-vestir do JdC. Somos amigos há tantos anos que já temos o mesmo tamanho, pouco mais ou menos. Pela manhã afiançaram que a mala já repousava no Zimbabué, o que não se confirmou, após busca aturada. O sr. Simba, verdadeiro leão africano, sugeriu-me que esperasse pelo voo da SAA das 12.20h. O sistema, segundo ele, não falha, e afiançara que a mala saíra de Joanesburgo ainda na 3ª feira. Talvez neste aviãozinho, sugeriu ele. Aguardei, pois. Chegou enfim, passados largos minutos de espera ansiosa, enquanto os meus olhos corropiavam pelo tapete que suporta bagagem de todo o tipo e feitio - desde equipamento para o jogo do polo ao saco de comida para cães.


Estou certo de que em Joanesburgo a minha mala levantou suspeitas. Presumo o farejar de cães, o telefonema enervado para as minas e armadilhas, o contacto com o supervisor de serviço, a dúvida sobre o despoletar da emergência interna. Activou-se o plano B, que consistiu em cortar uma face inteira da minha mala, deixando a descoberto um forro alvo, feito do algodão mais macio. Felizmente não roubaram nada - das meias à máquina fotográfica, passando por um teclado de má qualidade e roupa interior do M&S.

Quando olhei para os despojos da mala que albergava os meus pertences, vi o desinteresse em tempo inútil. Senti-me como um presidente de um clube de futebol que, pagando milhões por um craque, o vê chegar no dia seguinte ao prazo legal com uma rótula flexível como basalto. Acabei por ter uma visão mais gastronómica: a minha mala é um queijo da serra ao qual cortaram uma calote, revelando um amanteigado de salivar.

JdB

PS: li algures, no espaço blogosférico de alguém, que as mulheres almejam sentido de humor nos homens. É isso que querem. Eu, apesar de tudo, tento manter o meu - para os fins mais nobres.

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