30 outubro 2017

Para o ATM

Hoje mesmo, por alturas do aniversário do ATM, mas em 2008, escrevi o texto abaixo.

Descobri em A. características que não são vulgares na generalidade dos homens da minha geração, em particular a sensibilidade para algumas assuntos e a desinibição para outros. Numa sociedade em que, como dizia Álvaro de Campos, "nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo", foi gratificante encontrar em A. uma alma atenta, perspicaz e amiga, que encara a vitória e a derrota alheias, a alegria e a tristeza no seu semelhante, o riso e o choro no próximo como as duas faces de uma mesma moeda que todos usamos no bolso. Ao longo das inúmeras conversas que tivemos nos últimos anos teve sempre a capacidade de olhar para além do desfocado onde muitas vezes nos quedamos por falta de intuição – ou mesmo de paciência - sem nunca perder de vista a frontalidade com que se dizem algumas coisas, sabendo que escuta activa nem sempre significa escuta feliz.

Passaram-se nove anos. Do texto não tiraria uma palavra, acrescentaria outras tantas. Poderia adjectivar, que pecaria sempre por defeito - e adjectivaria por gosto, não no sentido do elogio ao que ele é, mas de elogio ao que ele é para quem quer que ele seja, passe a frase vagamente críptica. Acima de tudo, foram nove anos de muita partilha, porque nestes nove anos muito água passou por baixo das pontes da vida. Almoçámos muito, tomámos muitas águas ao fim da tarde, conversámos muito sobre tudo, sobre as esperanças e as desilusões, sobre os meus estudos, sobre as vidas profissionais, sobre os erros do caminho. Conversar nem sempre é só conversar - por vezes é um diálogo que permite resolver dúvidas, escolher caminhos (ou apenas ver possíveis caminhos), parar para pensar, tirar um caroço entalado na glote que é a nossa vida, olhar para as coisas por um ângulo diferente.

Ao ATM agradeço muito - a inteligência, a cultura, o humor, a provocação, a disponibilidade, a improbabilidade da nossa amizade. De entre aquilo que quero revelar, perdoo-lhe a desistência da escrita neste estabelecimento, por vezes até a desistência do exercício fulgurante do raciocínio. Aprendemos muito cedo na Bíblia a parábola dos talentos, e eu acredito nas parábolas...

Muito havia a dizer, mas há que ser parcimonioso - nem que seja por prudência... 

Um abraço de parabéns.

JdB

1 comentário:

Anónimo disse...

Hoje publicaram-me. Hoje disseram-me de mim que faço sentido no sentido que busco para mim. Fico feliz por conseguir ir assim. É verdade, sigo ainda perdido dentro mim , que isto não se muda assim, mas, e ao contrário do Mário de Sá Carneiro ,« quando me sinto, já não tenho saudades de mim». Nesta procissão dos «meus passos» é JdB um dos que mais abnegada e destemidamente carrega o andor, e essa amizade sacrificada nunca conseguirei homenagear . Mas fica a minha esperança que lhe baste estar, como está, no coreto deste Largo da Boa-Hora onde corre a opereta da minha vida.
Obrigado
Abraço
ATM

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