23 outubro 2017

Sobre Nádia Piazza

Muito atrasado, apesar os elogios que me foram chegando, vi a entrevista de Nádia Piazza, a responsável pela Associação de Apoio às Vítimas de Pedrógão Grande, ao canal 3 da RTP. Também me levou a isso o telefonema de uma boa amiga: "já viu a entrevista? Pensei muito em si...". Fui ver, claro. Para quem não sabe (e admito que poucos não saibam) Nádia Piazza é brasileira de origem italiana, a viver há 18 anos em Portugal, e perdeu um filho de cinco anos naquele devastador incêndio de há alguns meses. 

Podia ter visto os primeiros cinco minutos e já tinha dado o tempo por bem empregue. Nádia Piazza disse o essencial relativamente à sua perda: dar um sentido às coisas, transformar a dor em algo positivo, não ficar agarrada a uma memória e a uma depressão. No fundo, perguntar para quê?, em vez de porquê?. Mas a entrevista não vale apenas pela reacção de uma mulher nova e bonita a uma perda brutal. A entrevista vale pelo sossego que aparente ter, aliado a uma inteligência que seguramente tem. Vale pela mansidão forte, segura e acutilante das palavras e dos raciocínios. Não há agressividade, revolta, frases inflamadas. Há dor, uma dor muito grande, transformada em crítica construtiva, em desejo de construir um mundo melhor, mesmo que em cima das cinzas do seu filho.

A entrevista de Nádia Piazza é uma lição: não de total contenção de sentimentos, porque chora e tem micro-segundos de paragem no seu discurso, sinais subtis de comunicação não verbal; não de total contenção de críticas, porque fala de amadorismo, de falta de profissionalismo, de um pedido de desculpa formal que não surgiu, de tudo o que não se fez e podia - e devia - ter feito. A entrevista de Nádia é uma lição de sentido de vida, de enfrentamento do desgosto (falar de um filho que morre carbonizado ao colo do pai é de uma violência interior que não imagino), de capacidade de (re)construção. Mas é também uma lição de lucidez "técnica" - do que há por fazer, do que deve fazer-se para que nada disto se repita de novo. 

Ver e ouvir Nádia Piazza é muito mais do que ver e ouvir o desgosto brutal de uma mãe. É ver e ouvir o desgosto brutal dessa mãe posto ao serviço do próximo. 

JdB     

2 comentários:

Anónimo disse...

Ainda bem pelo alerta, pela informação. Que, creio, irá desaparecer da Net em poucas semans. O correio da manhã tem links para assinantes. Vão-se lixar.

arit netoj disse...

Querido João, também já vi e fiquei com essa sua sensação - é possível transformar a dor e o luto em algo de construtivo! Ouvir e conhecer esta senhora vale muito a pena!
Beijinhos

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