Sei que o PAN, esse gigante da democracia pós-25 de Abril, propôs uma lei que permitiria a entrada de animais nos restaurantes. Não sei se está estipulado o animal em questão, mas lembro-me de há muitos anos, na praia de Cascais, um veraneante se passear por aquela elegante areal com um pinguim pela trela - enfim, a bem dizer, uma simples corda. Posso eu entrar num dos restaurantes do consagrado Avillez com uma vicunha ao lado? Saberá o PAN o que é uma vicunha? Não li a lei em apreço, mas tinha alguma curiosidade em saber pormenores. Se alguém quiser fazer-me a caridade de explicar, agradecia. Até porque encontrei um ouriço à porta de casa e afeiçoei-me a ele. Posso levá-lo à cervejaria Portugália enquanto me delicio com um bife da vazia mal passado?
Vivi a história que agora relato no passado domingo, num restaurante da marina de Cascais. Pensei referir o nome do estabelecimento mas não sei se o facto de não terem multibanco (algo assaz incomodativo nestes tempos modernos e tecnológicos) configura uma qualquer ilegalidade. Acima de tudo, a massa com salmão e molho de cebolinho, não estando deslumbrante, estava catita, pelo que só tenho a agradecer este repasto dominical na companhia de bons amigos.
Deixem-me enquadrar a história. Numa mesa atrás da nossa, um grupo de quatro pessoas deglutia a sua refeição de fim de semana. Eram acompanhadas por um cão cuja raça não consigo discernir, preto, de porte médio-baixo, com uma carantonha feia. Numa dada altura começámos a ser invadidos (ou pelo menos eu, que terei uma narina mais sensível para algumas coisas) pelos eflúvios produzidos pelo aparelho digestivo do canito. A uma dada altura já não distinguia odores bons e maus e, obcecado como sou, comecei a indispor-me ao nível da irritação, não do enjoo. Num repente, contra tudo o que seria diplomático e útil no domingo da alegria, voltei-me para trás, tendo travado, muito ipsis verbis, o seguinte diálogo:
Eu: a senhora não me leve a mal, mas o seu cão está a exalar um cheiro desagradável;
A senhora: o meu cão não cheira mal...
Eu: não é o seu cão que cheira mal, mas o que brota do ânus do seu cão...
A senhora: e como sabe que é do cão?
Eu: minha senhora... prefiro pensar que este cheiro é do cão, e não da sua mesa...
A senhora: e como é que sabe que não é das pessoas que estão à sua mesa?
Eu: parece-me que ficamos por aqui...
Se repararem, fui educado: usei expressões como brota e ânus, que é infinitamente mais correcto do que dizer traque e rabo, para já não falar de peido e cu. A senhora não gostou, admito que não tenha percebido a expressão brotar do ânus de... e se tenha enervado, não com a minha impertinência, mas com a sua própria ignorância, ou com o facto de ter sido eleita, dizem-me, a mulher mais elegante de Portugal há uns anos, e já ter perdido a sensibilidade olfactiva. Os eflúvios caninos e o chanel nº 5 só seriam distinguidos pelo resto da roupa: o primeiro quando está de fato de treino, o segundo quando vai a um cocktail do jet set.
Termino. Gostava que esta crónica fosse do conhecimento do deputado do PAN, para que ele a fizesse chegar ao seu grupo parlamentar - que são a mesma pessoa, o que impede falhas de comunicação. Talvez ele repensasse a lei e permitisse a entrada apenas a aves canoras, ou animais em fase de hibernação, ou outros cujo aparelho digestivo produzisse uma flatulência mais consentânea com um fettuccine al pomodoro. Pode exigir-se a um cavalheiro que não fume porque incomoda a mesa do lado. O que não pode é impedir-se que um animal brote coisas do ânus durante um almoço, porque isso configura uma crueldade inaceitável.
Despeço-me. Assim como assim, vou ali trocar a ração do meu cão, não vá ele ter de soltar gasearia acumulada.
JdB
Sem comentários:
Enviar um comentário