11 janeiro 2018

Da velhice

De um ponto de vista da mais absoluta seriedade, posso afirmar que tive sorte na vida: em primeiro lugar, porque parte substantiva da minha existência foi fagueira, rodeado de gente que queria fazer-me feliz e rodeado de acontecimentos que me deram um gozo imenso; em segundo lugar, não obstante os momentos difíceis que vivi, senti sempre uma forte rede social a impedir-me de soçobrar: amigos que me falaram, me ouviram, de mim discordaram, me fizeram companhia ou me desafiaram.

De um ponto de vista da mais discutível seriedade, posso ainda continuar a dizer que tive sorte na vida porque nunca fui jovem. Eu explico a frase críptica. Este domingo, jantando com amigos, ouvi alguém lamentar-se, com um quase soluço de alma, que ia fazer 61 anos durante 2018. A mim, que sou de um ano diferente, ocorreu-me aquela frase que tem tanto de verdade como de calista: a idade é mental. Se nos sentimos novos estamos novos; se não, não. A frase não deu alento a ninguém: nem a quem a proferiu (poucas frases há mais enervantes do que esta) nem a quem a ouviu, porque 61 anos são 61 anos...

Ora, a minha sorte não reside no facto de dizer frases patetas - e reconhecer - mas no facto de nunca ter sido novo. Tenho a sensação de que nasci, fui criança, jovem adolescente e jovem adulto com o anátema de uma certa velhice a cobrir-me as costas. E explico: enquanto a minha geração se agitava furiosamente ao som do pop ou do rock (não sei bem a diferença) eu já preferia a música clássica; não era grande frequentador de boites, preferindo o remanso de uma casa de amigos; nunca fui folião nem tenho corpo para ter um ar contente, não me assenta bem; viajei sozinho com prazer e sem incómodos; rio-me e divirto-me com gente que tem graça, não com gente que faz graças; nunca gostei do Carnaval, da passagem do ano ou de lançar serpentinas; não prego partidas, detesto que mas preguem; sou nostálgico, olho permanentemente para o meu passado, mesmo que o passado tenha mais de 40 anos; acho literariamente brilhante a ideia do no meu tempo é que... Por último, desde há muito tempo que gente diferente, em tempos diferentes, me diz, num misto de ternura, gozo e horror, que eu pareço um velho.

A frase, repetida desde há muito, de que pareço um velho, é salvífica. Pareço um velho agora e parecia um velho aos 20 anos. Talvez parecesse um velho aos 10, embora ninguém mo referisse, porque os alemães com quem estudava estavam afadigados a ensinar o aparelho digestivo da vaca e a dentição do coelho na sua bonita língua - e só isso se revestia de uma seriedade esgotante. Então, para me apressar na conclusão do raciocínio temente da debandada geral, posso responder a quem me pergunta como me sinto no momento da mudança de década: estou como se tivesse 18 anos; melhor, como se tivesse 15, ou talvez 7. No fundo, no fundo, estou como sempre estive - não envelheci. Os anos não parecem passar porque não sinto qualquer mudança. Sou o que sempre fui.

***

Sábado fui ao casamento de um amigo. Vi, e revi, gente que faz parte da minha vida desde que eu tinha 13 anos. Fui inundado por uma torrente, que em mim é inesgotável, de nostalgia de velho. Até nisso tenho sorte: não me mexo para fazer mais amigos; mas, não obstante, vou fazendo amizades e vou sempre olhando para trás, para os ciclos da vida onde eles se encaixam - e alguns muito bem, apesar de relativamente recentes. A construção da amizade é sempre um olhar sobre o passado; a constatação da amizade é sempre uma análise retrospectiva, porque o passado é certo, e no futuro talvez haja traições, afastamentos, palavras amargas ou injustas. Temos amigos porque temos passado em comum, não porque temos futuro em comum. O raciocínio é imbatível - ainda que de velho.

Sejam felizes.

JdB

      

3 comentários:

Anónimo disse...

Muitos parabéns, querido João. Bruxa.

Unknown disse...

Hi! Hi! Vou pensar... Bjs e parabéns de novo

arit netoj disse...

Tardei mas arrecadei!
Gostei muito destes seus devaneios!
Desejo que continue por muitos anos assim velhinho...
Beijinhos

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