03 setembro 2019

Dos setembros

Desde 1971 - ou 72, talvez - que o mês de Setembro me é favorável, afectivamente favorável. Já lá vão quase 50 anos mas, na verdade, não tenho uma profusão imensa de acontecimentos setembrinos a reportar. Tenho, isso sim, momentos - episódicos ou continuados - muito marcantes. Eu conto brevemente, para não afugentar os meus benevolentes leitores.

Entre os 13 e os 25 anos, talvez, passei grande parte do mês de Setembro no Alentejo, em casa de parentes e amigos. Desse tempo recordo muita coisas: a ausência de luz eléctrica, o cheiro dos candeeiros a petróleo, a rotina de acendê-los, a ausência de televisão, os cigarros às escondidas, a mata (uma vegetação verdejante mas estranha, dado o facto de se estar no coração do Alentejo) e o adro - sobretudo o adro - onde tanta coisa se passava, sem que nos mexêssemos muito. Era um tempo familiar - e era ali que me sentia em família, por motivos que não vêm agora ao caso. 

Os setembros alentejanos eram tempos lentos, demorados. Uso estes dois adjectivos porque tenho vindo a ler livros sobre a aceleração do mundo, a rapidez da vida, a hiper-conectividade, e o que isso tem de implicação para um determinado modelo de vida. Qual o antídoto? A lentidão, a demora, tudo o que permita fugir-se ao ruído, a uma sociedade sonoramente desorganizada que não permite a contemplação das coisas. Aqueles setembros eram lentos - o tempo ainda era lento. Foram tempos muito felizes e os meus anfitriões daqueles dias sabem que lhes devo isso.

A alegria do setembro continuado está explicada acima. Porém, hoje, mas há 11 anos, eu subia ao monte sagrado de Ngomakurira, nos arredores de Harare. Poucos episódios instantâneos (no sentido de se terem verificado num dia) me causaram uma impressão tão duradoura. (Poderão ler a crónica aqui) Eu sei que o meu estado de espírito naquele tempo era propício, mas nada me tinha preparado para aquele dia - a caminhada, a vista, a comoção da beleza, o sossego interior; e ainda, porque não há coincidências, o facto de ter conhecido uma pessoa que não mais voltei a ver, e que numa conversa de 15 minutos me levou a falar de crianças com cancro e me mostrou a ala pediátrica local.  

Montanha sagrada de Ngomakurira, 3 de Setembro de 2008

Os supermercados estão cheios de regresso às aulas, campanha que faz sentido agora. O meu regresso é outro, ainda que com encanto semelhante, para quem gosta de voltar à escola.

JdB

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