21 julho 2020

Textos dos dias que correm *

Sete palavras para uma semana

Biblioteca
Mas será que os leu todos?
Quando vês uma livraria imponente, talvez atrás de uma pessoa que fala da sua casa para o telejornal, também fazes a mesma pergunta?
A resposta inteligente deu-a Umberto Eco, que tinha 30 mil livros: não.
Porque a biblioteca não é o apêndice do nosso ego, mas um instrumento da nossa humildade, um instrumento de procura.
A vida espiritual alimentar-se de Palavra, da Escritura, da tradição da Igreja, da vida dos santos.
Conheces todos?
Leste todos?
Recordas todos?
Não, porque o Evangelho não é o apêndice do teu ego, e os versículos que sabes de cor não são a patente da santidade.
A vida interior é busca contínua, humilde e tenaz, que, no entanto, precisa de uma boa biblioteca; não de muitos livros, mas de livros que contenham muito.
Não livros espessos, mas autores de espessura, não páginas em papel de açúcar, mas páginas ásperas capazes de arrancar a pele seca que já deixou de transpirar.
Boa leitura.

Deus
Nestes tempos complexos, muitos recordaram-me um episódio particular em que sentiram a presença de Deus junto deles, uma interseção de “casos” que desenham uma mão do alto.
Tudo isto é belo e importante, mas não é um episódio de Graça que faz a diferença, mas uma relação de Graça.
Para Deus, tu és uma ideia fixa, não o capricho de um momento.
Para Deus, tu és um pensamento constante, não uma intuição passageira.
Para Deus, tu vales a sua vida, não uma palmada nas costas e vai em frente.
Deus ama-te segundo por segundo, como podes pensar que só esteve junto de ti em determinado momento do passado?
Não confundir aquilo que percecionas com a sua verdade, aquilo que sentes com a sua constância.

Dormir
Ontem, à tarde, um médico veio à paróquia para orar diante do Santíssimo.
A certo ponto, no silêncio da igreja vazia, ouço a respiração lenta e pesada de uma pessoa que dorme.
Era ele.
Exausto, e ouso esperar, um pouco consolado.
A vida espiritual é exatamente isto: vida normal que se conduz pelo bem comum até ao esgotamento, mas, um instante antes de se adormecer, entrega tudo nas mãos do Todo.
Como se conclui o teu dia?


7h40, toca o intercomunicador.
- Sim?
- A igreja não está aberta.
- Abre às oito, minha senhora.
- Hoje é a primeira sexta-feira do mês.
- Abre às oito também na primeira sexta-feira do mês.
- A igreja não está aberta.
A fé é paciência para quem faz de si mesmo a regra do mundo.
A fé é descer à pressa para abrir a igreja.
A fé é ficar em silêncio diante de uma idosa que devia estar em casa, e que toca a campainha às 7h40.
A fé é feita de pequenas coisas, de encontros inoportunos, e de uma boa dose de ironia.
Mas, sobretudo, a fé é impaciência de encontrar o Senhor.
Às 7h40.

Férias
As férias, que já começaram ou estão prestes a começar, serão diferentes para muitos, talvez mais próximas de casa, talvez mais breves, diferentes por muitas razões.
O que são as férias para a vida interior?
São uma prova de liberdade.
As férias são tempo livre, são o tempo da liberdade, o tempo em que experimentas por ti próprio o que significa para ti ser livre, como o teu tempo se torna tempo de Deus, ou o tempo em pões Deus de parte.
A liberdade das férias não deve servir para deixar de pensar nas coisas que deixaste em casa, mas para pensar naquilo que verdadeiramente queres alcançar na tua vida.
O tempo da liberdade é o tempo em que escolhes onde colocar a tua liberdade, o teu coração, qual é realmente o teu tesouro.
Livres para se ser enamorados, a vida interior em férias está toda aqui.

Igreja
Para conhecer verdadeiramente alguém é preciso estar com ele durante tempo suficiente.
Tornamo-nos amigos numa turma não depois do primeiro dia de escola, a equipa não se faz a seguir ao primeiro treino.
E não ficamos cristãos estando simplesmente na igreja, no edifício, alguns minutos por semana.
A vida espiritual sem a Igreja não é possível, mas a Igreja não é o papa ou alguns minutos dentro de um edifício.
A Igreja é feita de pessoas concretas com quem é necessário desencontrar-se e encontrar-se.
A paróquia devia ser isto: um lugar, mas sobretudo pessoas, de idades diferentes, a conhecer e a dar-se a conhecer.
Hoje, muitas paróquias não são assim, já não o são, ou talvez ainda o sejam, mas não para muitos, só para os poucos que não encontraram outro espaço onde se colocar.
A vida espiritual precisa da Igreja, e a Igreja, para existir, precisa também de ti. Paróquia, associação, movimento.
Aquilo que considerares melhor.
Não há cristianismo sem Igreja, não há Igreja sem ti.
Não há cristianismo sem ti, não és cristão sem a Igreja.
Não é uma equação, é uma condição. Imprescindível.

Maligno
Como é que age preferencialmente o Demónio? Desacreditando Deus.
É o seu desporto favorito, assim o praticou desde o início, se recordarmos o que aconteceu no jardim, com a árvore e o fruto.
Desacreditar Deus faz-se de muitas maneiras, nunca diretas, nunca vulgares, nunca grosseiras. Deus desacredita-se como merece, isto é, de maneira divina.
Deus desacredita-se fazendo-o mais omnipotente do que é, ou seja, descrevendo-o como mais poderoso do que a tua liberdade.
Mas Deus quis que o teu sim e o teu não fossem para Ele barreira intransponível.
Deus desacredita-se fazendo-o mais justo do que é, isto é, descrevendo-o como paladino da justiça e da lei.
Mas Deus ama mais o pecador da norma que ele pode ter violado, por isso não castiga e não pune.
Deus desacredita-se tornando-o mais belo do que é, isto é, descrevendo-o de tal maneira divino, que dele se elimina qualquer vestígio humano, e tornando-o inacessível.
Mas Deus é verdadeiro homem, e por isso não tem segredos incognoscíveis e horizontes inalcançáveis para ti.
A vida espiritual é também conhecer as táticas do Maligno. Conhecê-las é suficiente para as derrotar.
Vês como é tão pouco poderoso, tão injusto e tão mau?
Esquece-o, não veste Prada. Tu, veste-te de Espírito Santo, uma moda eterna.


P. Luca Peyron
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Trad. / edição: Rui Jorge Martins
Publicado pelo SNPC em 20.07.2020

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