Nasceste hoje, mas há vinte e seis anos.
Ontem almocei com amigos. A meio telefona-me alguém que me diz: não sei se sabe que morreu fulana. Fulana era rapariga da minha idade, família de amigos próximos, mãe de gente que nos é próxima. Havia um certo anúncio desta morte, mas, mesmo assim...
A meio da tarde telefono a um amigo para lhe dar os parabéns. Começo com a frase trivial: então a família, está toda de saúde? Esperaria ouvir possíveis diagnósticos de covid ou maçadas de confinamento, coisas tão em voga hoje em dia. De lá veio a história impactante de uma filha com um problema de saúde potencialmente muito grave.
Nada disto é uma surpresa, que a vida ensinou-me que a distância que vai de uma família feliz a uma família destroçada é um fio de cabelo. Em mim ressoa ainda a conversa sobre os desígnios de Deus, sobre se é do Céu que nos chegam acontecimentos semelhantes de dramas e sofrimento. Cada vez mais acredito que não pode ser; que seria impossível ser.
Eu sei que é um lugar-comum falar na fragilidade da vida, na necessidade de não perdermos de vista o essencial para nos agarrarmos a um acessório que tem um brilho imediato mas fugaz, temporário, sem persistência. A vida já nos ensinou tudo; por vezes teimamos em desvalorizar os sinais que nos dizem que todos os dias deveriam ser dias de empenho intenso, não em manifestações histriónicas de gente contentinha, mas na arrumação da vida, na perseguição das coisas importantes, no olhar fixado num horizonte de paz e concórdia. Afinal, nas armadilhas do destino, uma frase proferida pode ser a última frase que alguém nos ouve. Que frase queremos dizer; que frase gostaríamos de ouvir?
O tempo que nos resta, que resta aos que nos estão próximos é uma incógnita que nenhuma fórmula resolvente decifra. Na certeza dessa variável há uma dimensão simultânea de sabedoria e sobressalto que nos impele a sermos mais atentos, mais profundos, mais conscientes. A sermos melhores, no fundo. A ganhar o céu no quotidiano, nas pequenas coisas, nos gestos simples. Os dois telefonemas de hoje são um alerta. Ou mais um alerta.
Olha por nós, e por aqueles de nós que passam tempos menos fagueiros.
Na sua bondade sem fim
Quis Deus olhar para mim
Dar-me um pouco do que é seu
Deu-me uma estrela pequena
A quem chamou Madalena
Que é uma das santas do Céu
J (em nome de todos os que te lembram)
2 comentários:
JdB, quanta lucidez e percepção do efémero na vida neste seu post. Nas palavras que publicou transparece a maturidade amorosa construída perante as provações que a vida, porque é Vida, continua a apresentar a cada um e a todos tornando-nos mais conscientes do que verdadeiramente importa ,e gratos pelos privilégios que dela também decorrem.
Bem haja
Belíssimo texto no dia em que celebra a sua estrela.
Belíssimo texto sobre o fio de cabelo que tantas vezes desvalorizamos, ou até apanhamos do chão com um ar enojado. Belíssimo texto sobre a importância dos pequenos gestos. Belíssimo texto que agradeço porque :
"Afinal, nas armadilhas do destino, uma frase proferida pode ser a última frase que alguém nos ouve. Que frase queremos dizer; que frase gostaríamos de ouvir?"
Um exercício muito desafiante .
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