Saudade, Silêncio E Sombra
A saudade meu amor
É o martírio maior
Da minha vida em pedaços
Desde a tarde desse dia
Em que ao longe se perdia
Pra sempre o som dos teus passos
Saudades fazem lembrar
Silêncios do teu olhar
Segredos da tua voz
E essa antiga melodia
Que o vento na ramaria
Murmurava só pra nós
Lembras-te daquela vez
Quando eu cantava a teus pés
Trovas que não tinham fim
Quando o luar prateava
E quando a noite orvalhava
As rosas desse jardim
Jardim distante e deserto
Sinto tão longe e tão perto
O passado que te ensombra
Devaneio, irrealidade
Silêncio, sombra, saudade
Saudade, silêncio e sombra
Nuno Lorena
***
Sobre um Poema
Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne,
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.
Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
os rios, a grande paz exterior das coisas,
as folhas dormindo o silêncio,
as sementes à beira do vento,
- a hora teatral da posse.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.
E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as órbitas, a face amorfa das paredes,
a miséria dos minutos,
a força sustida das coisas,
a redonda e livre harmonia do mundo.
- Em baixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.
- E o poema faz-se contra o tempo e a carne.
Herberto Helder
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