Sempre que, enquanto jovem adolescente, jantava ou almoçava em casa de amigos, a primeira pergunta que me faziam no regresso ao lar era a mesma: o que foi o almoço / jantar? Éramos todos magros (a minha obesidade veio mais tarde) mas, mesmo assim, parte da conversa era à mesa - e sobre assuntos de mesa. Domingo, falando com uma filha de amigos sobre este tema, ela riu-se, porque, à semelhança de outras pessoas que conheço, a conversa sobre comida é, para ela, uma perda de tempo.
Para algumas pessoas, conversar sobre comida é tão determinante para a sabedoria das nações como conversar sobre pastas de dentes. Para algumas pessoas, conversar, a menos que seja para tomar decisões, é uma perda de tempo, e encaram as perguntas como uma necessidade de compromisso. Tive um chefe que, perante algumas conversas, algumas propostas, algumas ideias, comentava com um ar educado - porém demolidor: isso acrescenta algum valor ao PIB?
Nem sempre é fácil explicar a veracidade da sabedoria que, dizem-me, é alentejana: à mesa não se envelhece. A sabedoria dos antigos pode ser datada, não lhe conferindo dimensão intemporal; por vezes, conversar à mesa era a única coisa que podia fazer-se, já que não havia outras actividades: não havia cinema, séries de televisão, internet, jogos de computador ou whatsapp. Talvez por isso (re)aprender a conversar na era da informação seja um imperativo civilizacional.
Num diálogo há dias sobre a arte e os benefícios de conversar (é isso, para além do sorriso, que estabelece o comércio entre as pessoas) dei por mim a fazer uma metáfora, actividade intelectual a que me deito com denodo e alguma competência; se eu fosse um desporto, gostaria de ser o ténis batido ao fundo do court: bola para lá, bola para cá, bola para lá, bola para cá. É assim que me vejo, ainda que o faça de modo imperfeito: a conversar, fazendo perguntas, dando opiniões ou respostas, olhando para as hipóteses ou para o futuro, não como um momento de decisões, mas como uma tela onde se põe tudo: um trocadilho, uma graça, uma notícia, uma informação, uma opinião e, quem sabe, um compromisso.
Foi assim que eu cresci. Volta e meia alguém avançava para a rede e sentia-se a necessidade de ripostar e, quem sabe, de ganhar o jogo. Era um impulso, uma fragilidade. Afinal, conversar significa, em latim, viver junto, trocar palavras. Não significa, forçosamente, vencer o jogo ou decidir sobre a vida.
JdB
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