09 dezembro 2020

Vai um gin do Peter’s ?

ESPERANÇA EM BANDA-DESENHADA E PEDIDO EM MÚSICA

Mesmo a propósito do Advento, em contagem decrescente para o Natal, uma caneta virtuosa acompanha a reflexão interpelativa de C.S.Lewis (1898-1963) sobre a Esperança, encarada como um dos pináculos da escalada a que a fé conduz. A explicação está marcada pelo cunho racional com que aquele académico poeta-escritor quis expor os alicerces da perspectiva cristã. Caracterizou ao contrastá-la com as atitudes adoptadas pelos não-crentes. 

Em off lê-se o décimo capítulo do terceiro livro de «Mere Christianity», publicado durante a Segunda Guerra, em 1943. A leitura corre ao ritmo veloz de ilustrações expressivas em tinta branca sobre fundo negro, num exercício de lógica equiparável ao desfiar de uma fórmula matemática. Foi gravado para a terceira série da BBC «Christian Behaviour» que C.S. Lewis animava, correspondendo à conversa introdutória do poeta-escritor ao novo conjunto de programas radiofónicos. 

Se a sequência de desenhos poderia aproximar-se de uma banda desenhada dissecadora, o raciocínio que desfia forma um poderoso baluarte argumentativo, como muralha protectora numa fronteira agitada. É talvez na forma de hierarquizar os diversos objectivos, que Lewis se torna mais interpelativo e, em simultâneo, difícil de rebater. A complexa malha de argumentação está tecida para contrapor objecções de toda a ordem, bem ciente de as desencadear e em rajada. Tão pouco se esquiva aos temas polémicos e menos populares, já na sua época, como por exemplo o sentido do casamento numa sociedade onde o divórcio despontava com pujança, ou discorrer sobre as virtudes teologais numa época em descristianização.

 

A abordagem tão preparada para a réplica adivinha-se emergir de uma mente profundamente conhecedora do outro lado da barricada, para lá da óbvia argúcia. De facto, Lewis tinha dado o salto de ateu rebarbativo, desde a adolescência, para anglicano fervoroso em idade adulta, quando já era académico em Oxford. Pesou muito a influência do amigo e também professor-escritor: Tolkien, na situação ainda mais rara na academia inglesa de ser católico convicto. 

Tolkien de cachimbo e Lewis à direita

Mal se converteu, Lewis transpôs para a afirmação da sua cristandade a verve certeira e fundamentada que o caracterizava, desta vez empenhado em explorar e divulgar as razões da sua fé. Nascido na Irlanda do Norte, recuperara as raízes anglicanas da mais tenra idade, embora fosse dialogante com outras confissões cristãs, nomeadamente a católica, tendo sido dos maiores amigos do autor da trilogia «O Senhor dos Anéis».  Assim, falou e escreveu para todas as idades, sendo célebres as crónicas de Nárnia dirigidas aos mais novos, também transpostas para o cinema. O escritor estava bem consciente do peso da arte na formação das mentalidades, nomeadamente a literária, que esgrimia com à-vontade e reconhecido talento. 

Outra curta-metragem inspirada leva-nos a 1996, quando Eric Clapton protagonizou um momento antológico com Pavarotti para um dueto à «Holy Mother». O concerto, ao vivo, decorreu em Londres e teve o acompanhamento do coro East London Gospel, que abrilhantou a prestação do tenor italiano e a toada quente do branco com a voz mais próxima dos jazzistas afro-americanos. Isto sem falar do solo de guitarra fabuloso do britânico.

A ária tinha sido composta por Clapton bons anos antes e entrara no álbum de 1986. A letra lembra o caminho destrutivo em que se enredara e desesperara, até perder as forças e se apanhar a rezar, aos pés da cama, pedindo a Nossa Senhora que o libertasse da espiral viciante das drogas e do alcoolismo. Na música perpassa a oração proferida, in extremis, num SOS voltado para o Céu, como fazia quando era pequenino. O cantor-guitarrista conta ainda que, depois daquela noite escura, em que uma mão salvadora lhe valera, as primeiras e as últimas palavras do dia são dedicadas à Mãe que redescobrira. Na autobiografia («The Autobiography») explica-o nesta passagem: «I was in complete despair. In the privacy of my room, I begged for help. I had no notion who I thought I was talking to, I just knew that I had come to the end of my tether … and, getting down on my knees, I surrendered. Within a few days I realized that … I had found a place to turn to, a place I’d always known was there but never really wanted, or needed, to believe in. From that day until this, I have never failed to pray in the morning, on my knees, asking for help, and at night, to express gratitude for my life and, most of all, for my sobriety.»

Percebe-se por que é cantada com tanta fibra e alma, sobretudo na interpretação do autor, em jeito de serenata:

    

A letra acaba por se colocar em contagem decrescente até ao Presépio, condensando em sete estrofes todo um percurso de vida, que mantém o diálogo em aberto até à Partida derradeira, antecipando assim o Reencontro que, então, será definitivo: 
  
«HOLY MOTHER

Holy Mother, where are you?
Tonight I feel broken in two.
I've seen the stars fall from the sky.
Holy mother, can't keep from crying.

Oh I need your help this time,
Get me through this lonely night.
Tell me please which way to turn
To find myself again.

Holy mother, hear my prayer,
Somehow I know you're still there.
Send me please some peace of mind;
Take away this pain.

I can't wait, I can't wait, I can't wait any longer.
I can't wait, I can't wait, I can't wait for you.

Holy mother, hear my cry,
I've cursed your name a thousand times.
I've felt the anger running through my soul;
All I need is a hand to hold.

Oh I feel the end has come,
No longer my legs will run.
You know I would rather be
In your arms tonight.

When my hands no longer play,
My voice is still, I fade away.
Holy mother, then I'll be
Lying in, safe within your arms.»


Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)

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