Volta e meia leio inquéritos a pessoas a quem lhes é perguntado o que leem, quanto calçam, de que cor gostam, se têm pedras no sapato ou se alguém lhes deve um pedido de desculpas. O pecado mortal que mais cometem é também motivo de interesse (mesmo que o inquirido seja um feroz ateu, para quem o pecado mortal pode ser um conceito estranho). A resposta a esta pergunta varia normalmente entre a gula e a luxúria. Percebe-se porquê. A gula está vulgarmente associada ao prazer da comida e a luxúria ao prazer sexual. É certo que são excessos, mas são excessos de áreas aceitáveis e que proporcionam prazer. É pecado, vá, mas é bom...
É raro encontrar alguém que mencione a preguiça, talvez porque este pecado mortal se associe a uma falha de carácter, a algo que poderá prejudicar o próximo. Ser-se preguiçoso é mau, denota irresponsabilidade, incumprimento de deveres básicos. Somos educados no valor do trabalho. Curiosamente, um destes dias cruzei-me com um texto de Somerset Maugham (A Writer's Notebook) que falava disto. Traduzo livremente:
Ouvimos falar muito da nobreza do trabalho; porém, não há nada nobre no trabalho em si mesmo. Olhando para as primeiras sociedades, vemos que a guerra era desenfreada, o trabalho era desprezado e a actividade militar reverenciada. Agora que a maioria das pessoas são trabalhadoras, o trabalho é reverenciado. O facto é que os homens, na sua arrogância, se limitam a olhar para as suas actividades específicas como o objecto mais nobre do homem.
O trabalho é louvado porque isso livra os homens de si próprios. Os estúpidos maçam-se quando não têm nada para fazer. O trabalho com a maioria é o seu único refúgio para o tédio; tem graça, porém, chamar-lhe nobre por causa disso. São necessários muito talentos e muita cultura para se ser ocioso, ou uma mente com uma constituição peculiar.
Não sou suficientemente importante ou público para que me façam inquéritos. Mas, se o fizessem, já sabia o que responder quando me perguntassem qual o pecado mortal que mais pratico: a preguiça, claro está. E a vaidade pelo facto de me gabar disso. Na verdade, só trabalha muito quem não sabe o que fazer com as horas de ócio. O Somerset Maugham lá saberia.
JdB
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