29 maio 2023

Viagem ao Sudeste Asiático (IV) - Malaca

 



Estivemos ontem no Portuguese Settlement, em Malaca. Domingo, hora de almoço; estão 33ºC (um real feel de 40ºC) e um teor de humidade de 70% - um clima particularmente agreste. O bairro português está vazio, para além de alguns cães a vaguearem pelas ruas desertas. Há esplanadas desertas, sujas, onde se imagina (e só se imagina, porque não sei) uma alegria de sábado à noite. Domingo é dia de descanso, e os locais talvez estejam em casa a refugiar-se do calor e da humidade sufocantes.

O Portuguese Settlement é um primor de pormenores, muitos deles de desilusão. O espaço é muito sujo, quase se diria porco. Há vestígios de uma portugalidade (também) curiosa (com o tempo porei mais fotografias): uma capela de Nossa Senhora da Conceição, restaurantes com nomes portugueses - Monterios (assim mesmo), dos Mellos, Vera, Restoran de Lisbon - a anunciarem comida tipicamente portuguesa, nomeadamente marisco; um Cristo-Rei de braços abertos e traços orientais a proteger um barco cujas velas enfunadas têm escrito "Portugal"; o hotel Lisboa em ruínas (quem se hospedaria naquele hotel, quando, e para que efeito?), um renque de casas onde em cada frente há um crucifixo, uma moldura com o brasão dos Melos a encimar uma moldura com o brasão (enfim...) da Federação Portuguesa de Portugal. E um quadro onde um "dicionário" tenta mostrar que o kristang ainda resiste ao olvido. 

Em Malaca, os vestígios de Portugal são escassos - umas placas bilingues junto à Famosa (ou o que resta do antigo forte construído pelos portugueses, talvez em 1512, com recurso a forced labor, como está escrito) e este resquício de uma nacionalidade enfraquecida mal representada pelo Portuguese Settlement, onde parece que os defeitos dos portugueses se juntaram aos defeitos dos locais para dar um resultado humanamente imperfeito, demasiadamente imperfeito para a minha sensibilidade.

Quem vai a Malaca tem de ir ao Portuguese Settlement. Não vê o Portugal da arquitectura, como se vê em Goa ou em Ouro Preto, no Brasil. Afinal, já daqui saímos há 500 anos e as potências colonizadoras seguintes (holandesa e inglesa) fizeram o que entenderam de destruição dos sinais anteriores no centro da cidade. Não se vê Portugal em Malaca, repito. Mas vê-se, neste bairro peculiar, uma saudade de Portugal que quase enternece, como se uma pequena comunidade já muito miscigenada ainda olhasse, com orgulho, para um país que não sabe o que é kristang, ou o que significa, no coração e não na boca, Restoran de Lisboa, um nome comercial repleto de uma nostalgia persistente. Ou como se a frase "a Pátria honrai, que a Pátria vos contempla", fosse uma bonita máxima para por num leque, mas cujo entendimento é difuso. Que Pátria é esta, e quem contempla quem? 

JdB  

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