Acima estão as capas das minhas últimas leituras: o de cima sugerido por mão amiga, o de baixo encontrado por acaso, mas de um autor de quem já li pelo menos um livro. Há uma relação entre as duas obras: a primeira, escrita na primeira pessoa do singular, relata o percurso de uma rapariga que, aos 22 anos, é diagnosticado com um cancro. A segunda, escrita por um filósofo sul-coreano radicado há muito na Alemanha, fala da crise da narração que advém, também, da ascensão do storytelling.
A diferença entre narrativa e storytelling parece-me óbvia; talvez seja um óbvio intuitivo, mais do que racional. A narrativa cria comunidades que se juntam à volta de uma fogueira, exige leitores / ouvintes atentos e interessados, transforma "o estar-no-mundo num estar-em-casa". O storytelling, por seu lado, "produz narrativas como formas de consumo e contribui para que os produtos venham associados a emoções." O tempo moderno, feito de virtualidade, de monitores, de imediatismo, de "posts, likes e shares", não convida à narrativa. O tempo moderno é feito de factos e de informações e "[a] narração e a informação são forças antagónicas. A informação intensifica a experiência contingente, enquanto a narração a reduz, transformando a contingência em necessidade."
As estantes das livrarias estão cheias de livros como o de Suleika Jaoud. Pessoas que passaram por doenças diversas, por traumas, por dificuldades várias, querem escrever livros e partilhar a sua experiência com a sociedade. De repente dou por mim a pensar: estes livros - de apresentadore(a)s de televisão, actores / actrizes, gente comum, etc., são narrativa ou são storytelling? São de pessoas que querem contar a sua história ou dar publicidade à sua história? A minha resposta é: não sei. O meu preconceito talvez seja simples: Suleika Jaoud teve um cancro e é uma jovem adulta, pelo que o tema se cruza com a minha esfera de interesses diversos. O livro dela é uma narrativa. E se for escrito por uma apresentadora de televisão, pessoa do jet-set, que teve cancro de mama? A motivação de quem escreve é relevante?
Penso muito nos Pais de crianças com cancro que não têm ninguém que oiça as suas histórias. Todos eles querem partilhar a sua narrativa - para dar sentido àquilo que lhes aconteceu mas, também, como forma de sobrevivência, para não sucumbir àquilo a que alguém chamava a tirania do silêncio. Contar a sua história do seu drama é tornar a história do seu drama suportável.
JdB
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