29 maio 2024

Crónica de um viajante à África do Sul (II)

 Nunca gostei de ir ao barbeiro; gostei sempre de sair de lá - não pelo horror inerente, que não tinha, mas porque tinha o cabelo cortado. Era, por assim dizer, a alegria que advinha de um serviço comprido. A lembrança mais interessante que tenho de um barbeiro é da Barbearia Campos, ao Chiado, onde cortei o cabelo enquanto miúdo. Gostava da dimensão do estabelecimento, do alinhamento das cadeiras e da senhora que, sentada numa cadeira e com um ar educadamente íntimo, arranjava as unhas aos fregueses de mais idade. 

Entrei neste cabeleireiro no centro comercial Victoria & Alfred na Waterfront, Cidade do Cabo. Fi-lo, não por necessidade de desbastar a gaforina (precavi-me disso antes de partir de viagem) mas por absoluto fascínio. Criado por um inglês amigo do Príncipe Filipe de Inglaterra (atestado por fotografias) é agora gerido pelo genro, que também foi cabeleireiro / barbeiro - um homem simpático que me pacificou com os produtos pós-barba, depois de me ter oferecido uma loção não alcoólica onde deitou um pingo de água de colónia. Eu, que não uso nada, estive a pontos de adquirir bálsamos benfazejos. 


Tal como dizia a um amigo a quem enviei estas fotografias, estabelecimentos como este fazem parte de um Portugal que nunca existiu, ou desapareceu. Aqui, cortar o cabelo ou aparar a barba são experiências, como agora se diz; não são coisas de índole prática. Eliminado o branco decorativo dos cabeleireiros actuais que revela uma assepsia que maça, estamos em casa, ou numa casa que nunca tivemos mas que suscita um certo fascínio. Ficamos então rodeados de artigos que nos atiram para um tempo em que havia vagar, havia estética, havia objectos de madeira e, talvez mesmo, objectos pouco práticos. 30 minutos aqui e sai-se com o cabelo cortado - e a alma lavada. 

JdB 

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