Hoje é Domingo, e eu não esqueço a minha condição de Católico.
Faz agora duas semanas que deixei de ir aos meus velhos, tendo sido substituído por alguém que enceta um caminho que o levará a outros patamares de serviço à Igreja.
Comecei esta rotina há talvez quatro anos. Todos os Domingos, pelas 11 da manhã, lá me dirigia ao lar para dar a comunhão a quem estivesse preparado para a receber. A experiência ensinou-me que a expressão preparado, no caso (também) destes idosos, é fortemente subjectiva e propiciadora de algumas divergências. O que é pecar quando se leva uma vida arrastada em frente a uma televisão, tantas e tantas vezes no abandono das famílias, a aguardar a morte que toca aos outros que na véspera almoçavam ao nosso lado?
Dei a comunhão a quem parecia estar adormecido, apático, desinteressado mas que, na altura certa, rezava um Pai Nosso com a devoção possível de quem sofre, tem dores, não consegue andar ou comer, vive numa espécie de limbo da existência. Fi-lo com a consciência tranquila, certo de que Deus, na Sua sabedoria e amor infinitos, atentará mais ao sossego e conforto daqueles velhos do que ao olhar rigoroso (e será certo?) de uma percepção de impreparação.
Há quatro anos a sala estava cheia e eu, envergonhado e inseguro, rezava sozinho com uma idosa a um canto, tentando manter uma concentração mínima perante o desinteresse de todos e de uma televisão que debitava banalidades num volume demasiado alto. Pouco a pouco, com inspiração e a ajuda das visitadoras do lar, a televisão fechou-se, as pessoas começaram a fazer um caminho. Há duas semanas, quando me despedi, dei a comunhão a oito ou nove residentes, enquanto os outros rezavam à sua maneira ou se recolhiam no mundo próprio.
À saída, muitos braços se levantaram para dizer adeus, senhor João, obrigado por ter vindo. Eu acenei também, na incapacidade que sempre tive de fixar todos os nomes, todas as dores, todos as esperanças. A minha reacção foi o sorriso, uma piada e a promessa de uma visita. Quando isso acontecer verei certamente mais uma cadeira vazia ou um sofá desocupado, consciente de que todos caminhamos para a morte, e alguns estão mais próximo da curva da estrada. Muitos terão, na expressão feliz da letra do fado, um receio, anseio profundo / de um dia a menos no mundo / e um a mais perto de Deus.
Durante quatro anos poucos foram os Domingos que falhei, mas muitos foram aqueles em que me levantei com menos vontade, pedindo sempre para não ser movido pela vaidade nem pela falta de paciência. No dia 4 de Janeiro faltou agradecer, a cada um daqueles idosos, o que me ensinaram neste tempo que levo de ministro da comunhão: o serviço aos outros, a constatação da nossa vida fagueira, o desafio da paciência com quem já só nos ensina a dimensão do sofrimento e, tantas vezes, da resignação.
Adeus, até ao meu regresso...
JdB
2 comentários:
Graças a Deus há pessoas que pensam nos outros.
Tive a oportunidade de almoçar por mais de uma vez na cantina de lares, quando acompanhava um grupo de teatro.
O que me entristeceu nestes lares, não é a presença/certeza eminente da morte que aguarda, é o vazio, a desolação, o desinteresse e afastamento dos que por lá vi...aquele aguardar amorfo.
Uma tv. debitava factos ou imagens que ninguém via. Lado a lado, não se falavam, não se olhavam, mostraram algum interesse no jovem grupo forasteiro, que vinha almoçar no seu espaço.
Cartazes davam conta de algumas actividades(?), mas estou em crer que 90% do tempo estariam assim...
Não haveria açcoes com jovens, com infantários, com músicos,...que se pudessem desenvolver, divertindo, animando?
Sei que há lugares onde são dinamizadas actividades lúdicas, onde se conversa, joga, aprende...e ainda bem.
Estou certa que a sua ida aos domingos lhes era querida e bem-vinda.
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Certa vez, tivemos que dormir, num centro de dia de idosos, literalmente, na sala de estar e em todos os sofás-camas existentes,e com os nossos sacos camas, nos instalamos. Disseram-nos que teríamos que sair pelas 10horas (madrugada para quem fica no 4º acto até ás tantas!)
...demoramo-nos a despachar pelo que entrou um velhote, para se sentar e surpreso com o movimento feminino exclamou de olho afiado:
-"Ena...carne fresca! "
Pelo menos, reagiu... :-)
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