13 julho 2009

Lanterna Vermelha

Diário de Amália, data irrelevante,

Meu querido Fábio,

Embora tenhas acesso ao meu diário, estou certo de que não lerás esta carta, porque o respeito que me tens to impede. Gostas de mais de mim para ocupares a tua mente com perguntas do género: o que faz ela num estabelecimento chamado Lanterna Vermelha e que oferece ilusão a troco de dinheiro?

Começo esta página do meu diário sob o signo da interrogação. Escreverei sobre o quê? Quem será, das raparigas ou dos clientes, que me reterá a atenção neste dia. Que pormenor mais sórdido, que passado mais misterioso ou que presente mais triste me iluminará a inspiração, me atirará com furor criativo para uma página de um caderno? De facto, meu querido Fábio, companheiro de alegrias e tristezas, nada me inspira neste momento.

Perguntarás se tenho falta de assunto. De todo! Tenho muito por onde escrever, mas pouca paciência para o fazer. Sabes, ele há dias assim, em que o nosso horizonte visual é o que é, mas também poderia ser outra coisa. Tanto faz ser um deserto ou um mar encapelado; poderia ser uma vista de África ou do Árctico. Tudo é indiferente, porque não há, aparentemente, ligação estabelecida entre mente e braço. À parte do corpo humano que é responsável pela escrita - na sua forma física - não chega estímulo. Quando isso acontece, faz-se o quê? Nada. Deita-se a caneta na secretária e volta-se a vontade para outras coisas.

Graças a Deus não tenho ninguém que me leia regularmente. Felizmente não tenho leitores que me perguntam religiosamente à 2ªfeira: então, não se escreveu nada hoje? Se os tivesse sentiria que os defraudo. Mas escrevo para mim, principalmente, e para ti, querido Fábio, que me lês sempre, mesmo quando não há nada para ler.

Não estou demasiadamente triste nem excessivamente alegre. Sinto apenas um vazio criativo, como se o estabelecimento onde trabalho tivesse encerrado para férias, para descanso do pessoal, para mudança de um ramo qualquer, para auditorias ou inspecções. Como se as operárias que aqui trabalham estivessem todas fora, a banhos.

Olha, Fábio, não sei o que te diga. Fica o meu beijo, na certeza de que gostarás de mim na mesma.

Amália

6 comentários:

Anónimo disse...

Claro que gostamos da Amália e do MTS, mesmo com vazios de criatividade. Acontece aos melhores!! Tenha uma boa semana e cá o esperamos no dia 20. pcp

DaLheGas disse...

Já era hora MTS, de a Amália dar uma folga às raparigas.
O senhor podia fechar a casa, fazer o capitulo "encerrado para férias", e criar um romance com a velha Amália - sente-se só e cai redonda numa teia de quase-morte que só se embaraça com o regresso das meninas...

Anónimo disse...

Em A Capital, de Eça de Queiroz:
Melchior...escreveu, riscou, releu recomeçou e por fim, recostando-se na cadeira, murmurou exausto:
Não estou de maré.Hoje não vai...
SdB

Anónimo disse...

Mais Eça:Em Notas Contemporâneas - Brasil e Portugal, alguém apertado
para escrever um artigo diz: eu conheço a situação, é medonha.
SdB

cris disse...

MTS,

Por esta semana, passa a sua falta de inspiração e nós perdoamos!.... (estou a brincar)

Espero que esta "ida à praia" das meninas, lhes sirva para virem mais bronzeadas e bonitas, para encantarem, com as suas histórias magnificas.

Até para a semana, ponha as meninas a trabalhar....

maf disse...

Que inverdade, MTS, quando, pela boca da Amália, você diz que não tem leitores regulares às 2ªas feiras !!! Pois, fique sabendo que sou sua leitora assídua, atenta e regular e, sim, ficarei defraudada se as suas meninas se detiverem em banhos por mais 1 semana ! Lol. Já o grande Eça tinha os seus vazios literários.
Abraço.

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