15 julho 2009

Outro olhar

Prendo o meu olhar no passado. É verdade, este não é extenso e, logo, a minha experiência de vida não é longa. No entanto, não considero esta desvantagem como algo que invalide a essência dos meus sentimentos.

Invocando o exemplo de uma criança, deparo-me com uma realidade assustadora: os seus sentimentos são tão mais simples, tão mais inocentes, mas tão mais puros do que os dos adultos. E desenganem-se: esta realidade não está associada à falta de experiência de vida ou à ingenuidade características. Apenas acontece porque as crianças olham o mundo de uma forma simples e fácil.

É tempo de voltar a pousar o olhar no passado. Já fomos todos crianças, já vivemos todos o maravilhoso tempo que é a infância, e já olhámos todos o mundo de outra forma, com um olhar tão diferente.

No entanto, a vida encarrega-se de afogar toda esta pureza, colocando-nos obstáculos no caminho que nos obrigam a fechar os olhos. Mas, quando os abrimos, tudo está diferente, com tons acinzentados e escuros. A nossa visão é mais negra.

Ou porque conhecemos a maldade, o desgosto, a traição, a desconfiança ou a mentira, os nossos olhos já não mais encontram a verdadeira essência de cada coisa que nos rodeia. É como um manto escuro, que sufoca qualquer visão relativa à verdadeira beleza, à beleza simples, à beleza primária. Assim, tal como os olhos se habituam à claridade, reagem rapidamente com naturalidade às visões maldosas e julgadoras com que se deparam.

E é aqui que a nossa intervenção, enquanto seres humanos, é fundamental e imprescindível. Um marinheiro não pode ficar imóvel perante um possível naufrágio do seu barco e, assim, também nós não podemos assistir à nossa mudança de uma forma impávida e serena. Temos que fazer mais do que isso, ir mais além. Aqui, apelo a uma recordação do passado como forma de ganharmos força e coragem para esta luta contra nós próprios.

O chilrear de um pássaro, a beleza de fazer um amigo na praia, as pétalas de uma flor, o murmurar das ondas ou um “amo-te” proclamado pelas nossas mães não eram coisas pequenas que nos faziam sentir enormes? Mas, com o tal manto preto a encobri-las, já não conseguimos ver a sua beleza, apenas maldizê-las e desconfiar.

Então, não era tudo mais bonito e puro com a nossa visão de crianças? Era, mas não quero conjugar este verbo no passado. É. Cabe-nos a nós decidir como queremos olhar o mundo. Basta rasgar o manto negro, e conseguimos apreciar a verdadeira beleza das coisas, a essência das suas origens e a pureza de cada ser.

Assim, garanto-vos, seremos felizes.

MTM

3 comentários:

cris disse...

MTM,

Gostei muito das imagens que passou.

Quando nascemos, somos um livro branco, apesar de muitos cientista, dizerem que durante a gravidez já vamos formando a nossa personalidade.

A nossa infância é o nosso primeiro carimbo, é ela que vai ditar como vamos ser em adultos.

Quem sofre muito na infância, é muito difícil quebrar o ciclo, pois, a mentalidade é, se eu passei por isto os meus filhos também têm que passar, porque se eu não tive, eles também não vão ter.

Até sempre...

Anónimo disse...

Bonito e revelador texto. Contém em si o verdadeiro segredo da felicidade. Olhar a vida com a simplicidade do olhar de uma criança. Mesmo quando o "manto negro" nos cobre, manter a faculdade de ver os pontos de luz que o atravessam. Trata-se, tal como o escrever, de uma arte que se aprende e se cultiva.
Perspectivo boas colheitas para si. moc

DaLheGas disse...

Obrigada pelo lembrete MTM. Você dá ares de ATM...

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