04 agosto 2009

Poemas dos dias que correm

O Mundo não se Fez para Pensarmos Nele

O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de, vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...

Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...

Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo.
Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...

O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar ...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...

Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos - Poema II"

3 comentários:

Anónimo disse...

tenho este poema como um dos meus preferidos. que bom que o escolheu. como o "oh happy day" ...que dia feliz!! e um dia feliz para si também. pcp

Ana CC disse...

Obrigada. Que bom começar o dia com um girassol ao peito.

DaLheGas disse...

Deixo o que li ontem na introdução de uma compilação recente de textos de FP, de Paulo Neves da Silva:

"... Caeiro é, pelo menos aparentemente, um tratado perfeito que tem por base uma tese defendida ao longo dos poemas, respondendo mesmo a objecções que hipoteticamente se levantassem. Situa-se em pleno campo; propugna o objectivismo absoluto; substitui o pensamento, morbidez, pela sensação pura e imediata; as coisas existem e as sensações valem enquanto sensações delas.
Caeiro tem uma disciplina: as coisas têm de ser sentidas como elas são (...)
A ética de Caeiro é apenas simplicidade; a de Ricardo Reis é estóico-epicurista; a de Campos não é nenhuma; é amoral, se não imoral, cultivando apenas as sensações fortes, todas elas egoístas, recorrendo mesmo às da crueldade e às da luxúria."

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