28 novembro 2009

Fatal é o destino?

Deixa-me viver. Não te entrances nos meus dias, estou-te a pedir. Não vês que não consigo carregar-te? É muito peso, é longa a história, e duro lamber as chagas. Na verdade, nem sei se sou capaz de te enfrentar, de te olhar nos olhos, de te ver de frente. Fazes-me pena, trazes-me raiva, mostras-me coisas que eu não quero, lembras-me o que eu gostava de esquecer. Lembras-me, eu já sei. Deixa-me lá continuar a disfarçar que sou mais um, igual a tantos outros da manada. Que gosto de andar aqui na multidão, de ser um cidadão progenitor, um empregado disciplinado e cumpridor. Larga-me, rogo-te. Fecha-te a sete chaves em sossego, esconde-te, não me forces a fazer-te a vontade. Não posso, sinto isso, não consigo. Tem dó alma perdida, pára de segredar constantemente a mesma coisa, que nada querias com esta vida. Não vês que eu era fraco e nem te ouvia? Como hei-de consolar-te, já não sei. Como hei-de dominar-te, ainda talvez... um dia, se lá chegar, vou procurar-te. E tentar saber ao que chegaste, o porquê, a razão de tanta urgência. Prometo, juro e quem sabe, firmamos um acordo. Que eu viva inteiramente ao teu jeito, que te ame loucamente como anseias, sem as reservas desta mente maltrapilha, carregada de obtusos pensamentos, que adiam e adiam os tormentos. Aguenta-te alma, mais um pouco. Espera que chegue o tempo que nos junte. Que haja coragem para termos esse encontro. Fatal, eu sei, como o destino.

DaLheGas

10 comentários:

Anónimo disse...

Não tenho tido energia para ultrapassar a preguiça e dizer que gosto muito de ler os seus textos. Move it.

DaLheGas disse...

Ah! um leitor preguiçoso que gosta de escritos macambúzios. que festa de arromba fazíamos, Anónimo :)

cris disse...

DaLheGas,

Mais uma vez vem dar-nos razão:

Anda uma pouco macambúzia..., ou antes "carente"?

Vem aí o Natal, dê-nos uma prenda, tá!!!!

Mas, mesmo assim gosto muito de ler os seus textos.

Ah, já sei...... eureka! fez-se luz.

Que autore anda a ler?

Até para a semana....

DaLheGas disse...

sandor marai. foi ele foi que rebentou comigo Cris :))

mike disse...

Se há coisa que é fatal, é o destino. Principalmente para quem se entrega a ele. (Bom post) :)

Anónimo disse...

Que força, DaLhegas! Que intensidade! O Rilke dizia, nas Cartas a Um Jovem Poeta, que para se ser poeta/escritor é necessário entregarmo-nos sem barreiras, sem preconceitos ou medos, à escrita. Foi do que me lembrei ao lê-la. Ainda que admita que não seja ou pretenda vir a ser escritora... pcp

DaLheGas disse...

muito grata amigos. pensei que ia maçar e afinal... falaria o Rilke de textos que saem como se alguém nos ditasse, numa palhetada? esse foi assim, até escrito à mão, estava num jardim, em modo de espera e de desespera, ehehe
boa semana , até sempre

cris disse...

DaLheGas,

Obrigada por me ter dado a conhecer este autor hungaro.

Já agora, se não é pedir muito, qual a obra dele que mais gostou?

Queria ler e começar pelo melhor.

Até para a semana....

DaLheGas disse...

Olá Cris. Só li "As velas que ardem até ao fim", a amizade entre dois homens é o centro das atenções. Grande história onde se fala de perdão, de traição.
Agora rodo nas saias de "A mulher certa", a natureza humana nua e crua, da ilusão à verdade, do tudo querer ao nada aspirar. O mesmo enredo, as três vozes, a dos envolvidos, em separado. Duas mulheres, um homem. Dois burgueses, uma proletária esperta.
Ataque as "velas" primeiro. Lê-se num sopro. Este escritor é assustadoramente lúcido. Matou-se aos 89 anos.
beijos grandes!

DaLheGas disse...

LOL é "as velas ardem até ao fim"

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