25 março 2011

isto (não) é um poema

enquanto o futuro do país se decidia, em quase todos os televisores, uns quantos milhares dançavam - olá, leveza; olá, hedonismo -, ao som de uma banda australiana com nome de site de internet ("cut copy"). lá fora, podem chover canivetes, que haverá sempre uma forma de escapismo "ready-made", prontinha a consumir. de um ângulo especialmente favorável, olhava os rostos, frenéticos q.b., naquela espécie suave de transe e pensava: daqui a vinte anos, estaremos todos onde? enredados em dívidas e em dúvidas. com aquele sabor amargo de muitos nos sabermos anunciados "has been". precários, como agora se diz, em coisas exteriores e materiais. precários - ou "líquidos", recuperando um famoso conceito que teoriza a incrível leveza e a incontornável transitoriedade destes tempos - também em coisas mais estruturantes e identitárias (o que somos, como somos, quem somos). a tentação é grande e eu, pecador tentado, me confesso: apetece sair, esquecer, desaparecer, rumar a porto diferente. "precários nos querem; rebeldes nos terão", dizem, por aí, algumas das paredes da cidade. e nós, queremos o quê de nós próprios? convém perguntar, não vá um dia destes alguém devolver a pergunta e dizer-nos, de olhos na nossa cara: "precário e leve te quiseste; faça-se então segundo a tua vontade". entretanto, os rapazes vindos lá dos antípodas continuavam a agitar as massas, com o seu som feito de luz, de júbilo, de despreocupada alegria solar. e a pequena multidão mergulhava naquela espécie de mix de analgésicos misturados com antidepressivos, tudo ligado por cerveja - essa bebida democrática como nenhuma outra. ora aí está, democracia, uma excelente palavra. que nos leva, num instantinho, ao carácter político de tudo. entre o sporting e um concerto de ocasião, há um país adiado, cumprindo o seu pequenino e desgostoso destino. alexandre o'neill pressentiu-o, em muitos dos seus poemas. não poucos leitores viam nas suas palavras poemas humorísticos, em jeito de farsa, com toques levemente surrealizantes. enganaram-se. o estilo era antes descritivo-factual, sem grandes adornos. talvez agora seja tarde para tanta coisa, mas é, ainda assim, o tempo que temos e compete-nos, a nós, fazermos dele alguma coisa ou, pelo contrário, deixarmos que alguém dele faça uma coisa outra. a História, é sabido, tem horror ao vazio. "there is no such thing". e a escolha far-se-á, muito provavelmente, através de um regresso à política - evolução / ajuste - ou através de uma descontinuidade - também chamada revolução. as terceiras vias são uma utopia sem lugar na verdadeira História. portanto e em suma: é tempo. considerem isto um conselho, talvez amargo, desencantado, cínico - admito que sim, que pode ser perfeitamente o caso.. mas considerem também a hipótese de isto ser antes um conselho, quase lúcido, de quem só vos quer bem - um conselho de amigo, portanto. and, please, get ready for the floor. just in case.

gi.

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