29 março 2011

Duas últimas

Esta música terá sido gravada em 1972. Procurei vagamente os motivos para o título, achando que poderia relacionar-se com o encontro de uma criança com a sua mãe. No primeiro comentário que vislumbrei há um petit rien de júbilo: uma música de paz, a celebrar o regresso dos soldados do Vietname. Não desisti da busca de uma comoçãozita nostálgica que contrabalançasse o ritmo alegre do reggae. Eis que me confronto com o espanto: a música relaciona-se com a morte do cão do artista, que foi buscar (o artista, não o cão) o título Mother and Child Reunion ao nome de uma receita chinesa feito com galinha e ovos... Há uma altura em que devemos interromper a nossa demanda, sob risco de desmoronamento emocional das nossas entranhas.

Talvez me lembre desta música em 1973, passava eu férias em Armação de Pêra (a convite do JdC, eminente colega bloguista), quando esta vila não era a profusão de rotundas e prédios que nascem do asfalto algarvio como cogumelos alucinogénicos. A vida corria mansa, com praia pela manhã, mini-golfe a seguir ao almoço, aprendizagem do King bufando cigarradas adolescentes, jogos de verdade ou consequência ao som de um coração que palpitava por um beijo na (ou quem sabe da...) rapariga de quem se gosta, cartas que se recebiam com uma alegria temerosa, porque o carteiro nem sempre toca duas vezes. De noite talvez (também) se dançasse Paul Simon num terraço qualquer, sob um céu mais estrelado do que o de hoje, porque a poluição não era tanta e a camada de ozono (tem a ver com as estrelas no céu?) era uma expressão de ficção científica.

Sou, decididamente, um nostálgico - ou talvez tenha as minhas memórias antigas mais frescas do que as modernas. A vida tinha menos confortos, ir daqui ao Algarve era um experiência rodoviária ímpar, à luz de hoje não se percebe como conseguíamos viajar num carro sem ar condicionado, direcção assistida ou com os postos de telefonia (dantes dizia-se telefonia, conjuntos, boîtes...) a desaparecerem ao fim de dez minutos de estrada. Tínhamos menos coisas, havia menos coisas, precisávamos de menos coisas - talvez por isso tudo fosse tão simples, tão divertido, tão arrebatador.

JdB

7 comentários:

JdC disse...

Lembro-me muito bem da pena que tive quando Simon e Garfunkel se separaram em 1970. Nem a separação dos Beatles, que aconteceu no mesmo ano, me causou tanta tristeza. No entanto e como muitas vezes acontece, o que parecia dramático transformou-se numa benção e Paul Simon conseguiu dar-me a solo tantas ou mais alegrias que na versão S&G. Este disco é bem o exemplo do que acabo de dizer.
Lembro-me também muito bem do contexto em que ouvimos originalmente esta música. Tudo era de facto "mais simples, mais divertido e mais arrebatador". Mas nós, até pela idade que tínhamos, éramos também muito mais simples, muito mais divertidos e muito mais arrebatadores. Envelhecemos e tornámo-nos uns complicados e uns chatos.

Ana LA disse...

Bom dia JdB.
Sou um pouco mais nova e nesta altura era mais praia de água quente e pinheiros. As minhas músicas eram outras.
Não se desiluda com a vulgaridade da musa inspiradora porque há coisas que nunca se devem interpretar e há, em tudo, um grau de superficialidade saudável que devemos manter.
Agora para si para o JdC, esta coisa "málinda", que me faz lembrar esse início dos anos 70.
- I could say ohhhhhh ohhhhhh, everybody knows what I'm talking about?
Do we? Who cares ?, it's simply fantastic.

Ana LA disse...

Ups,
esqueci-me do link http://www.youtube.com/watch?v=OafqYNCzq5U

Já lá vão uns anos, sabe! e pesam....

Maf disse...

Belos tempos, belas músicas, belas férias. De facto, tudo era belo nessa altura. Nostalgia ??? Não sei, who cares? Esses bons tempos já ninguém nos tira.
Kiss
Maf

Luísa A. disse...

Depois de ler este «post», João, tive a alegria de constatar que devemos ser da mesma, ou quase da mesma, geração. Vivemos as mesmas coisas (incluindo Armação). E se não tirámos o mesmo gozo desse passado, tiramo-lo agora das memórias dele. :-)))

Anónimo disse...

Subscrevo a musica e a prosa, sobretudo o ultimo parágrafo.
Ir para AP era um dos grandes momentos do ano, embora eu tenha começado mais tarde.
fq

Philip disse...

Great choice of song, although I have no particular memory associated with it. Funny to discover what the song title really refers to. I think many of his songs are not about what we think. Thanks, PO

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