28 fevereiro 2012

Duas últimas

Ingénuos e persistentes leitores,

Nunca, nem sequer nos meus tempos de juventude mais desbragada (enfim, o que isso queira dizer num homem pouco dado a excessos) rocei politicamente pela esquerda. 

(suspendo momentaneamente a escrita para procurar, nos recônditos da minha memória, se rocei pela esquerda de uma forma mais carnal, mas também não me parece, que até nisso sou conservador). 

A minha carreira política, retomando um fio condutor mais sério, passou sempre pelo centro direita. Fui militante do CDS, fiz parte do grupo de energúmenos que, numa época mais quente, se deitou a Évora a colar cartazes e a pintar paredes. Sim, queridos leitores, a adolescência selvagem levou-me a conspurcar o praça do Giraldo com frases criativas que apelavam ao voto no partido do centro. Numa mão a trincha com a tinta que sujava as magníficas arcadas. Na outra mão uma matraca, porque os comunistas, tal como os beduínos, velavam ao longe. 

Fiz militância em Cascais, no CDS local, onde usámos de maior criatividade e de menos selvajaria, porque as paredes eram menos históricas. À célebre frase a terra a quem a trabalha, respondíamos com provocação inócua: e os comboios a quem anda neles... Momentos de rara inspiração, digo-vos. Estive ainda no comício da Juventude Centrista em Novembro de 74, no teatro S. Luís, e na sede do largo do Caldas quando, num qualquer 1 de Maio, se temia que fosse assaltada.

Fui a comícios do PPM (um, na Voz do Operário, se me lembro), defendi bancadas no liceu de S. João do Estoril, fiz parte de mesas eleitorais, achei ingenuamente que a minha altura acima da média me dava prerrogativas de segurança, um homem que tem tanta experiência de pancadaria como de comida cantonesa. Nunca levei mais do que um empurrão, nunca dei mais do que um empurrão. Em muitos episódios estive com o meu amigo e colega bloguista JdC, com quem tenho memórias memoráveis (sim, a redundância é propositada...) em Borba nos idos anos de 74 e 75. No que a ele diz respeito não sei, mas o meu corpo e a minha alma não mostram feridas desse combate político. Memórias, apenas - e vagamente desinteressantes...  

A par disto fui amigo de comunistas, de outros que se identificavam politicamente como sendo republicanos (melhor seria que não fossem, descendentes que eram de dois presidentes da república) mas sem acinte contra o meu nome, e de outros ainda que viviam com um arma contundente no carro, sussurrando uma conspiração inspirada pelas iniciais ELP e MDLP, traficando panfletos na penumbra das esquinas. 

Hoje partilho convosco Zeca Afonso, surpreendentes leitores de convicções políticas que desconheço, mas intuo. Alguns de vós esfregarão de contentamento as mãos finas, aforrando argumentos para zurzir as minhas opções musicais. Outros seguirão para o blogue seguinte, alegando as baixas de tensão que sempre nos provocam as coisas maçadoras. Restarão dois, quiçá três (oh! ingenuidade...) que apreciarão este momento - ou o suportarão estoicamente.

Sejam felizes - e respeitem o editor e dono do estabelecimento.

JdB





7 comentários:

JDC disse...

Foi de facto um dos períodos mais fantásticos da minha vida e de que guardo memórias também fantásticas. Aos 16/17 anos estávamos na rua a tentar impedir o triunfo do projecto comunista em Portugal. Alguém imagina o que teria acontecido se tívessemos sido derrotados? Alguém imagina o que seria termos como PM's o filho e o neto do Vasco Gonçalves numa solução à norte-coreana?
São cenários inimagináveis e quanto muito cómicos, mas que tiveram para se transformar na nossa realidade. E o mais grave é que eles ainda andem aí e cheios de argumentos novos.
Quanto ao Zeca Afonso/cantor, acho um maçador com músicas muito bonitas. O Zeca Afonso/político era por outro lado um homem tremendo que defendia assassinatos e violência como forma legítima da combate político. De nenhum tenho grandes saudades.

Ana CC disse...

Acho o Zeca um bom músico maçador e presunçoso.
Não tenho saudades dessa época, porque ainda não tinha altura para fazer frente aos comunas. Tinha apenas, escondidos em casa, dinheiro e papel selado com a autorização de saída do país, magnificamente falsificada, para apanhar o comboio para Madrid, sempre a LUAR ou o Copcon faziam ameaças de rapto a 3 crianças filhos de pai exilado.

Comentário delicioso de uma época efervescente que marcou a todos.
Aguardo o comentário do nosso bloguista fq que vai seguramente acrescentar mais uma cor ao romantismo de JdB e racionalidade de Jdc.

Anónimo disse...

Obrigada, JdB, por nos trazer de volta a voz giríssima (para mim) do Zeca Afonso, que ouço sempre com imensa saudade musical, desligando em absoluto da letra, muito ideológica e bestialmente primitiva. Terceiro-mundista mesmo! Nem sei explicar este fenómeno de ouvir a música do suposto educador das massas, planando acima (ou ao lado) da sua descarada carga politica. Bjs, MZ

Anónimo disse...

Obrigada, JdB, por nos trazer de volta a voz giríssima (para mim) do Zeca Afonso, que ouço sempre com imensa saudade musical, desligando em absoluto da letra, muito ideológica e bestialmente primitiva. Terceiro-mundista mesmo! Nem sei explicar este fenómeno de ouvir a música do suposto educador das massas, planando acima (ou ao lado) da sua descarada carga politica. Bjs, MZ

Anónimo disse...

Passei esses anos fortes entre a cidade universitária, na altura dominada pelo mrpp, e a margem sul, territorio do pc, que era onde eu então vivia.Do 11/3/75 até ao 25/11 foram meses tremendos e de grande desafio, lembro apenas que o celebre discurso do VG que marcou o auge da revolucionarite aguda/eminência de guerra civil foi proferido em Almada!
Acho que o JdB descreve muito bem esse tempo, com a sua bela e mordaz escrita !
Concordo com os comentários anteriores, e também considero o ZA algo maçador e monocórdico, caracteristicas que lhe vêm dos tempos do fado de Coimbra.
No entanto, tem uma música superior. Alías, acho que, quer antes quer depois do 25A, o ponto forte da esquerda esteve exactamente na sua musica e em vários dos seus interpretes. Só nesse campo me seduziram.
Ana, agradeço a sua referência!
Abr
fq

maf disse...

ai, ai, ai, zecas afonsos, sergios godinhos e q'tais ... só mesmo estes 3 (maravilhosos) amigos para se lembrarem de postar, ouvir e comentar :-) :-)
Ahh cãããão diria um deles, rsrsrsr

Maf disse...

o formato da caixa dos comentários está diferente??

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