Aqui vai a minha contribuição.
JdB
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Prezada Lucília,
Espero que esta te encontre de
saúde, que nós por cá todos bem.
Guardo dentro de mim o que me
faltou sair. Sou uma junta vedante de sentimentos, uma caixa hermética de onde
não sai o ar comprimido que agitará a nossa relação. Sou um cárter entupido por
falta de jeito, um amor em circuito fechado, sem trocas de calor com o exterior.
Sou um coração adiabático, dir-se-ia.
Aqui, no remanso da manutenção na
fábrica onde trabalho, tudo me recorda de ti. Nas patolas de um empilhador que
segue lento e forte vislumbro os teus braços que avançam. Nas gambiarras que
iluminam as entranhas dos motores vejo os teus seios tremeluzentes de
esplendor. Passo as mãos pelas colunas que suportam estruturas de aço, certo de
estar a tactear-te as coxas que me apertam sem retorno. Os sensores de presença
que me protegem de máquinas em movimento são os teus olhos azuis, vigilantes
numa reconfortante permanência.
És a fábrica do meu amor, do
meu afecto, da minha ternura. És a minha usina, a minha linha de produção, a minha
ausência de improdutividade.
Os equipamentos trabalham a
cadências certas; os pistões sobem e descem uivando satisfação, gemendo prazer.
Aqui e ali param, gritando avarias, solicitando cuidados, ansiando atenções. Em
tudo te vejo, em tudo te imagino, em tudo te sinto. Em tudo toco, certo de que
uma biela é um braço, um cabo eléctrico é um fio de cabelo, uma válvula é uma
boca que me beija, me morde, me sussurra.
Quedo-me de olhos fechados
ouvindo os ruídos da instalação: detecto assimetrias vibratórias, identifico
excesso de decibéis, rearranjo protectores sonoros. És tu, és tu, és tu! Tudo
são as tuas palavras, os teus pedidos, as frases com que me incendeias, e para
esse fogo não há extintor adequado.
Prezada Lucília,
O que é uma nave central se não
o teu corpo? O que é um centro de comando se não o teu coração? O que é o meu
contrato de trabalho se não o pacto que me liga a ti, sem feriados nem acordos
colectivos de trabalho? O que é tudo isto se não fores tudo tu?
Oiço-te, sinto-te, incluo-te
nesta manutenção preventiva com que protejo o que me é querido: uma rotuladora,
uma máquina de soldar, um sorriso ou um nariz estreito.
Beijo-te com o mesmo esmero com
que limpo uma bomba de vácuo.
Amílcar, o teu engenheiro-chefe.
2 comentários:
o busílis é que de ridicula nada tem... magnífica carta de amor, belissima paixão em dose industrial.
Que carta mais ridícula! Conseguiu mesmo o objetivo, parabéns!
Beijinhos
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