11 janeiro 2017

Da semelhança entre coisas aparentemente distintas

Imaginemos dois cenários:

(i) Wilhelm Roentgen olhado por mim, nascido em 1958;
(ii) Mário Soares olhado por um jovem português, nascido em 1987.

O que distingue os dois cenários? Aparentemente tudo. Qual a relação entre ambos? Aparentemente nenhuma. No entanto, parece-me que é exactamente o contrário. Não há qualquer diferença entre ambos os cenários, mesmo sabendo que o físico era alemão e nasceu em 1845 e Mário Soares, português, 80 anos depois.  

Wilhelm Roentgen, primeiro prémio Nobel da Física, é considerado o descobridor dos Raios X, acontecimento que levou ao estabelecimento de um novo ramo da ciência, a Radiologia (para além de ter dado início à era eletrónica na Física). Em termos de saúde, as vantagens desta descoberta são inegáveis e mundiais. Eu fui beneficiário deste facto, pese embora nunca ter vivido na era pré-Raios X. Quando nasci eles já existiam.

Nascer em 1987 é nascer 13 anos depois da revolução do 25 de Abril. É já viver com a realidade das eleições, das campanhas eleitorais, da liberdade de expressão, dos partidos políticos, da democracia participativa, do serviço nacional de saúde, do voto como arma do povo, do PREC como um conjunto de letras e um frenesim para as gerações acima. É conhecer a ditadura de Salazar por via dos livros, dos programas de televisão, dos discursos inflamados, das opiniões isentas. Quando o jovem nasceu a democracia já existia.

Consideremos sem grande alarido, e para benefício da discussão, que Mário Soares teve um papel determinante na consolidação da democracia portuguesa. Qual a diferença entre ter-se 30 anos e admirar-se o ex-Presidente da República, e ter-se 59 anos e admirar-se Roentgen? Nenhuma, não só porque nenhum dos dois protagonistas deste raciocínio (o jovem de 29 anos e o menos jovem de 59) conheceram o socialista lutador da liberdade e o físico investigador, mas porque ambos são coevos de uma época pós-qualquer coisa. Os Raios X são, para mim, um dado adquirido. A democracia é, para a geração dos meus filhos, um dado adquirido. Os Raios X são a democracia do jovem. 

Não se trata de saber se Mário Soares é merecedor ou não de admiração, se a sua intervenção política produziu x ou y resultados. Trata-se de pensar o que leva um(a) jovem de 30 anos a fazer um discurso inflamado, de cravo na mão, sobre a importância determinante do falecido. O que é a liberdade para uma pessoa que nunca conheceu o oposto em Portugal? O que são os Raios X para um adulto que nunca conheceu o oposto? E o que são, para nós, os (co-)obreiros dessas duas realidades já firmes quando nascemos?

JdB

1 comentário:

Anónimo disse...

É por isso é que não faz sentido eu elogiá-lo a si, pois não conheci o mundo antes do seu nascimento, não há para mim história antes de JdB, mas até admito que o mundo fosse menos luminoso .

Acerca de mim

Arquivo do blogue