01 outubro 2019

Textos dos dias que correm

O silêncio do deserto

«Há um silêncio de paz, quando o deserto dispensa, ao anoitecer, a sua frescura, dando-nos a impressão de que já chegámos ao porto tranquilo, e as velas amainaram. Há o silêncio do meio-dia, quando sob o sol escaldante cessam pensamentos e movimentos. E há o silêncio profundo, quando, de noite, até a respiração se suspende, e começamos à escuta.»

Um provérbio tuaregue afirma que «quem não conhece o silêncio do deserto, não sabe o que é o silêncio». É o que também atesta, com o excerto que citámos, o escritor-aviador francês Antoine de Sanit-Exupéry (1900-1944), que viveu alguns períodos em Marrocos.

Hoje, 30 de setembro, celebramos a memória litúrgica de S. Jerónimo, o célebre tradutor latino da Bíblia. Ele optou por abandonar a barulhenta e mundana Roma, onde tinha vivido recolhendo sucesso atrás de sucesso, para retirar-se no deserto de Belém.

O verdadeiro silêncio não é mera ausência de sons, como o deserto não é, de todo, ausência de presenças. Com efeito, os sentidos tornam-se mais vigilantes e os pensamentos mais límpidos, e vivem-se assim experiências bem mais intensas.

Nós, mergulhados nos ruídos e nas coisas, flutuamos à superfície da vida, e somos incapazes de descer às profundezas. Somos incapazes de fazer limpeza na mente e no coração, de modo a deixarmos só as verdadeiras realidades importantes. Não conseguimos apreciar a paz e a quietude, envolvidos como estamos no frenesim do fazer e do mover.

Eis, então, a necessidade de uma experiência de deserto e de silêncio para reencontrar Deus e o nosso eu.


P. (Card.) Gianfranco Ravasi
In Avvenire
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado pelo SNPC em 30.09.2019

1 comentário:

Anónimo disse...

Como tem sido habitual tenho gosto em ler os textos do Cardeal Ravasi.
Lembrei-me de Bento XIV... que é diferente, como será de esperar.
A palavra deserto pode ser aplicada ao terreno ou à ideia. É uma palavra comum num povo que viveu em terras áridas durante séculos. Veja abaixo, Bento XVI, Audiência Geral de Quarta-feira de Cinzas, 14/Fev/2013:

Em primeiro lugar, o deserto, para onde Jesus se retira, é o lugar do silêncio, da pobreza, onde o homem fica privado dos apoios materiais e se encontra perante as perguntas fundamentais da existência, é obrigado a pensar só no essencial e em razão disto é-lhe mais fácil encontrar-se com Deus. Mas o deserto é também o lugar da morte, porque onde não há água não há vida, e é o lugar da solidão, em que o homem sente mais intensa a tentação.
Jesus entra pelo deserto fora, e é lá que sofre a tentação de deixar o caminho que Deus Pai lhe deu para seguir e correr atrás doutros caminhos mais fáceis e mundanos (cfr Lc 4,1-13). Foi assim que Ele tomou sobre Si as nossas tentações, levou a nossa miséria, para vencer o maligno e abrir nos o caminho para Deus, o caminho da conversão.

Ámen

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