MEDIA OPTIMISTAS – ALGUÉM CONHECE?
Talvez valha a pena começar pela pergunta prévia: faz sentido recomendar optimismo aos jornalistas? A ideia não é denunciarem o que está errado? Um grande profissional dos Países Baixos acha que o optimismo não é incompatível com a profissão, que exerce há quatro décadas procurando um sentido vitamínico para tudo o que divulga, com o objectivo de espalhar ´energia positiva´ urbi et orbi. Claro que a fidelidade aos factos é condição sine qua non, nem de outro modo a inspiração positiva teria sustentação sólida. Precisamente, a tese de Charles Groenhuijsen (CG) tem a ver com dados novos surgidos recentemente, que atualizam o tema do gin de 3 de Junho, onde ficou o alerta para a tentação dos media em manipularem imagens e notícias a seu bel prazer, muitas vezes, motivados pelo lucro. Sim, a catástrofe e a bizarria parecem atrair mais leitores /consumidores do que as boas notícias.
No tal gin do início de Junho, resumi o curiosíssimo percurso mediático de uma fotografia especialmente expressiva, que circulou na net em contextos novos, assumindo uma elasticidade que indiciava boa dose de manipulação por parte da imprensa e de ONGs. Sobre as metamorfoses de que a imagem foi alvo, constava no gin: “(…), a história da divulgação da fotografia que se segue, é a melhor prova desse potencial, por vezes, a poder rasar alguma manipulação “ [2º parágr. do texto postado a 3 de Junho]. Na história contada em Junho faltou a primeira etapa, curiosamente nos antípodas da versão que tornou famosa a fotografia na net como expoente da pequena órfã que teria representado a mãe perdida. Ou seja, mediatizou-se num patamar fabricado para servir determinado propósito, ignorando abusivamente os factos de origem, que nunca citou.
É verdade que a arte pode ter um alcance muito mais plural e diverso do que o concebido pelo artista, desde que se respeitem e clarifiquem as autorias e nunca se confundam interpretações ou ilustrações livres e posteriores, com factos. Na imagem inicial, a criança no meio do desenho não era órfã e foi apanhada em plena sesta por uma fotógrafa (sua conhecida) do Médio Oriente, que aproveitou o seu sono para a desenhar dentro de uma figura a giz, num jogo comum por aquelas paragens, de gravar croquis no alcatrão.
A composição, nascida como uma brincadeira com arte, atingiu tal força, que se tornou pasto de utilizações bem diversas entre si e, mais ainda, da realidade original. Claro que a circunstância feliz da menina da fotografia não é, per se, um impeditivo a que a imagem também seja escolhida para metáfora do sofrimento infantil por aquelas paragens, numa figuração sugestiva da saudade de milhares de crianças contemporâneas daquela e condenadas à orfandade pela guerrilha criminosa que grassa pelo Iraque, Síria, Líbano, Palestina, Egipto, Turquia, etc. Tudo está em deixar explícita a nova conotação metafórica e referir o contexto real (positivo, por acaso) da primeira imagem. O erro começa quando se toma a nova interpretação por factual, escondendo tratar-se de uma figuração livre de outras circunstâncias de vida.
Significativamente, o estigma negativo que ficou associado à imagem é um exemplo perfeito do pessimismo com que os media costumam contaminar o ângulo noticioso sobre o que se passa no mundo. Ao acentuarem a carga negativa da realidade, acabam por a desvirtuar, falhando a sua missão informativa. Isto confirma a validade do alerta do jornalista holandês CG, pouco a ver com o main stream mediático. CG vai mais longe e defende mesmo que o objectivo dos meios de comunicação social é contribuir para um mundo melhor, cabendo-lhes incutir ânimo, sem faltarem à verdade. Essa a arte de ser jornalista! Era difícil navegar mais em contra-corrente… mas felizmente que se atreve:
No rescaldo das empolgantes presidenciais norte-americanas e para lá de quem venha a ocupar a Casa Branca, é justo lembrar o cariz muito positivo e optimista da nação que tem sido “a terra de oportunidades”, naturalmente, em primeira instância para os mais talentosos e empreendedores, saudáveis etc. Ainda assim, aos poucos, o American dream também se tem estendido a gente de origens e condições menos favoráveis, alguns com handicaps crónicos que os condenariam à indigência no seu país de origem. Por isso, milhares de emigrantes tentam a sorte na (ainda) super-potência, polo de atracção preferencial para quem se queira lançar à vida. Há uns anos, no Colorado, emergiu uma iniciativa de sucesso para a reeducação dos prisioneiros: treinar cavalos selvagens. A intenção é inculcar nos presidiários a paciência, a perseverança e o desvelo que, quase sempre, lhes faltou na infância. Foram lacunas que os arrastaram para uma agressividade descontrolada, frequentemente em modo de sobrevivência desesperado. É espantosa, que a inscrição na Estátua da Liberdade – o célebre presente francês ao jovem país do outro lado do Atlântico – reze assim: «Give me your tired, your poor, your huddled masses yearning to breath free. I lift my lamp beside the golden door», disponível para acolher os rejeitados do mundo (ocidental, na primeira fase). Por muito esquecida que esteja a estrofe heroica (muito antes de Trump, diga-se, em abono da verdade), o simples facto de continuar a existir já possibilita que possa reacordar como uma Bela Adormecida. Está no sítio certo para devolver à Estátua a nobre missão com que nasceu.
A concluir, o discurso do grande John Mc’Cain na noite em que soube da derrota eleitoral contra Barack Obama. Aquelas palavras, recuando a 2008, mostram-nos o melhor da outra margem do Atlântico, onde houve e há gente desta envergadura, ainda que menos fotografada pelos media. Valem por si, enquanto testemunho de uma grandeza humana que insufla esperança, apesar e para lá da perda circunstancial. Não as cito como arma de arremesso contra ninguém, nem Trump. Aliás, confio ainda na qualidade da democracia norte-americana para deslindar situações menos claras e saber lidar com todo o tipo de pessoas, incluindo a menos dóceis e com mais poder, se for o caso. Mc’Cain protagonizou aqui mais um episódio que merece ser recordado, porque é vitamínico, à maneira de CG. Assim, ajudará sempre a elevar o patamar político de uma nação marcada por enormes contrastes, por vezes, no limite da contradição. Mas se há nação importante para a Europa está à nossa frente, na outra margem do oceano que partilhamos. Bem lhes podemos desejar a melhor sorte e muita gente com esta elevação e este patriotismo lúcido, generoso, intemporal:
Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)
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