HOBBY DE CRIANÇAS ESPALHA ÂNIMO
É difícil saber quem terá tido mais mérito na iniciativa: o compositor-maestro ou o primeiro grupo de crianças que dirigiu? O evento de arranque foi um palco de dimensão interplanetária: os Jogos Olímpicos de Inverno, nos EUA, em 2002. Parece que o primeiro pedido veio dos miúdos, que adoraram dar voz à composição do maestro «It Just Takes Love». Do lado do músico americano de ascendência japonesa tinha vindo a decisão prévia de criar um coro infanto-juvenil para interpretar a sua ária destinada aos J.O. em Salt Lake City. O sucesso terá levado vários dos coralistas a pediram a Masa Fukuda para não parar a onda musical e continuar a ensaiá-los.
Em 2003, a avó do maestro – uma nipónica dos quatro costados – enviou ao neto o anúncio de um concurso a decorrer no Japão, designado ‘John Lennon International Award’. Apesar de o prazo terminar em semanas, Masa e o seu coro infantil mobilizaram-se, participaram e ganharam. Ainda tiveram o brinde adicional de receber o prémio das mãos da mulher de Lennon – Yoko Ono, impressionada com tanta criança cheia de talento!
A qualidade do coro foi uma constante, desde os primórdios. Outra aposta foi a escolha de um repertório para transmitisse ânimo e esperança. As próprias actuações de ONE VOICE CHILDREN’S CHOIR cultivam e decorrem num ambiente alegre, pelo que rapidamente se tornaram virais na net, onde somam fãs.
Um dos sucessos recentes aconteceu em pleno confinamento, com a difícil sincronização por zoom de um coro de perto de uma centena de miúdos, alguns de 4 e 5 anos. O resultado foi notável, numa versão que deu colorido e vitalidade à música da banda Maroon 5, lançada em Setembro de 2019: «Memories». Curiosamente, o segredo da harmonia espantosa da composição remonta ao século XVII, por mérito exclusivo do compositor de Nuremberga e professor do irmão mais velho de J.S.Bach – Pachelbel (1653-1706).
A música antiga que impressionou os Maroon 5 – o «Cânone em Ré Maior» – é de uma doçura espantosa, por isso tornou-se habitual no repertório de casamentos onde entra alguma música clássica. De facto, irradia uma paz imensa, que também pode ser consoladora, conforme a entenderam os rockers de Los Angeles. Na adaptação de 2019, que replica a sequência mais conhecida do Cânone, a ária barroca adquire uma tonalidade mais nostálgica, porque os americanos queriam homenagear os amigos que tinham morrido, recentemente, como o manager – Jordan Feldstein. O líder do grupo Adam Levine explica a intenção: «This song is for anyone who has ever experienced loss. In other words, this song is for all of us. […] We heard the skeleton of this [Pachelbel’s] song and thought it matched where we were at. […] I needed this song: In a world that's increasingly chaotic and crazy and angry in a lot of ways [...] rather than fight about things, it's nice to have a common ground and all of us have had loss... [It's about loss] and celebrate them too, which I think it's important».
Celebrar é sempre um bom mote para os One Voice, que cantam ‘a capella’ até à entrada dos violinos, para um final grandioso. Nesta interpretação ressalta a carga positiva com que as crianças cunharam o estribilho principal «memories bring back memories, [that] bring back you», como numa ligação audaciosa entre o céu e a terra. Vislumbra-se alguma forma de proximidade entre os que partiram e os que vivem este presente. Perpassa mesmo um clima de festa. A alegria das crianças é tão cristalina quanto as suas vozes, produzindo um efeito contagiante, sem perder alguma solenidade dos ecos originais do século XVII:
https://www.facebook.com/ellen.vandergalien/videos/3309346642453992
Para uma comparação entre séculos, segue também o leitmotiv de Pachelbel importado pelos Maroon 5 (a partir do minuto 1:58 neste duo de piano e violoncelo):
Claro que conta para o resultado a coordenação exímia, percebendo-se o profissionalismo com que crianças dos 4 aos 17 levam este hobby, bem à americana, a colocar especial brio em tudo o que se destina à apresentação pública. Mas não é de somenos a intenção do seu coro: elevar a humanidade. O objectivo é explícito: «One Voice Children’s Choir is on a mission to lift the human race with the music we love to sing. We partner with other performers and organizations who are moved by the same passion to ease the suffering we see in the world. Help us heal the world through music!»
Como no gin anterior, também este repesca uma boa notícia vinda dos Estados Unidos, onde seria óptimo encontrar a atitude construtiva deste grupo coral infantil. Já é bom sinal um país dar-se ao luxo de também poder aprender com a geração mais nova.
Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)
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