Frank Gelett Burgess (1866 – 1951) natural de Boston, EUA, foi um artista, crítico de arte, poeta, autor e humorista, conhecido pelos seus versos non-sense, dos quais incluo dois abaixo.
The Purple Cow
I never saw a Purple Cow,
I never hope to see one;
But I can tell you, anyhow,
I'd rather see than be one.
I never hope to see one;
But I can tell you, anyhow,
I'd rather see than be one.
Cinq Ans Apres
Ah, yes! I wrote the "Purple Cow"--
I'm Sorry, now, I Wrote it!
But I can Tell you, Anyhow,
I'll Kill you if you Quote it!
Imaginemo-nos incultos, sem qualquer conhecimento da língua inglesa, e que, de olhos fechados, atentássemos apenas na rima. O que ressalta destas quadras singelas? A repetição da última palavra dos segundo e terceiros versos: one / one e it / it. Dir-se-ia uma rima pobre.
Imaginemo-nos agora sem qualquer conhecimento da língua portuguesa e que, de olhos fechados, atentássemos apenas na rima. No poema Fonte, de Pedro Homem de Mello, acontece o mesmo nas quatro quadras seguidas: a última palavra do primeiro e terceiro verso repetem-se. Já não se diria uma rima pobre.
Fonte
Meu amor diz-me o teu nome
— Nome que desaprendi...
Diz-me apenas o teu nome.
Nada mais quero de ti.
Diz-me apenas se em teus olhos
Minhas lágrimas não vi,
Se era noite nos teus olhos,
Só por que passei por ti!
Depois, calaram-se os versos
— Versos que desaprendi...
E nasceram outros versos
Que me afastaram de ti.
Meu amor, diz-me o teu nome.
Alumia o meu ouvido.
Diz-me apenas o teu nome,
Antes que eu rasgue estes versos,
Como quem rasga um vestido!
Atentemos, por último, no poema de Amália Rodrigues: quatro quintilhas, em que o primeiro e o quinto verso se repetem sempre. Não se dirá uma rima pobre.
Estranha Forma de Vida
Foi por vontade de Deus
Que eu vivo nesta ansiedade
Que todos os ais são meus
Que é toda minha a saudade
Foi por vontade de Deus
Que estranha forma de vida
Tem este meu coração
Vives de forma perdida
Quem lhe daria o condão?
Que estranha forma de vida
Coração independente
Coração que não comando
Vives perdido entre a gente
Teimosamente sangrando
Coração independente
Eu não te acompanho mais
Para deixa de bater
Se não sabes onde vais
Porque teimas em correr
Eu não te acompanho mais
Se não sabes onde vais
Para deixa de bater
Eu não te acompanho mais
Do ponto de vista puramente acústico, o que separa as quadras de Burgess, de Pedro Homem de Mello ou as quintilhas de Amália Rodrigues? Talvez uma coisa muito simples: a quantidade de quadras / quintilhas. Se Burgess se alongasse a falar na Purple Cow, repetindo sempre a última palavra dos segundo e quarto versos, talvez criasse um estilo. Assim, limitou-se a uma coisa sem sentido. Se o meu argumento estiver certo, ainda bem que Amália e Pedro Homem de Mello se atiraram a mais. E ainda bem que tudo isto é um disparate.
JdB
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