07 abril 2021

Do que morre por causa do que nasce

Num discurso proferido em 1901, Frank Lloyd Wright, um dos mais famosos arquitectos norte-americanos, cita Notre-Dame, de Victor Hugo: [t]he prophecy of Frollo, that "the book will kill the edifice," I remember was to me as a boy one of the grandest sad things of the world.

Em 1980, a banda The Buggles lançava uma música chamada Video killed the radio star, com o seguinte (e criativo refrão): Video killed the radio star / Video killed the radio star / Pictures came and broke your heart / Oh-a-a-a oh.

Em The muse learns to write, afirma Eric A. Havelock: (...) Rousseau had failed to perceive the true source of the "catastrophe" - the reduction of language to text. An "interior" consciousness has been forced forward and virtually destroyed   

Em O infinito num junco, Irene Vallejo afirma: [a]ntes da invenção da imprensa, cada livro era único.

***

Estas quatro referências, aparentemente desconexas entre si, têm um fio condutor: o que desaparece com aquilo que nasce: a máquina matou a criatividade, o vídeo matou a estrela da rádio, a escrita matou a uma certa consciência interior, a imprensa matou o acto único (antes desta expressão ter uma conotação fiscal).

Lembrei-me deste devaneio por via do livro, de Gutenberg, do carácter único das coisas, daquilo que desaparece por causa da evolução, do progresso, da melhoria da qualidade de vida, da ideia de dignificação da profissão, ou coisas quejandas. 

Antes da invenção da prensa, antes de Gutenberg ter revolucionado o mundo, cada livro era uma obra única, uma preciosidade não replicável, mas copiada por mãos firmes, olhares argutos, vidas dedicadas a um certo silêncio. Em bom rigor, uma conversa é um livro pré-prensa: não é replicável mas pode ser copiada, vulnerável, como era a actividade do copista, à confusão, à má interpretação, à tresleitura da palavra dita ou escrita.

A prensa melhorou o mundo, a escrita melhorou o mundo; não sei, contudo, se o mundo ficou inquestionavelmente melhor , se é que me faço entender. Talvez Frank Lloyd Wright e os The Buggles tivessem, ironicamente, alguma razão.

JdB 

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