20 maio 2021

Da pequena burguesia intelectual

 Foi numa aula desta semana que apanhei a ideia de "pequena burguesia intelectual". Não sei quem cunhou a expressão e se, de facto, foi cunhada por alguém. Do que falamos? Em muito bom rigor, de uma fuga deliberada ao mainstream, isto é, uma certa proibição de referir o óbvio, o conhecido, o consensual ou o aceite, numa determinada área da vida. 

Eu exemplifico: num jantar alargada há alguém que pergunta a alguém: quem é o teu cantor de ópera favorito? Grande parte das pessoas referirá Pavarotti, Placido Domingo - até mesmo José Carreras, num registo mais exigente. Num jantar da pequena burguesia intelectual estes nomes suscitam refluxos gástricos, ares de enfado, gestos de descontentamento, porque são nomes que fazem parte do mainstream, do que é óbvio ou consensual. O pequeno burguês intelectual refere Giovanni Bragantini, um tenor que nunca passou de Vicenza, mas que se destacou numa produção alternativa de Romeu e Julieta - em que fez de Julieta, por causa da ideologia de género. Giovanni Bragantini é o lince ibérico do pequeno burguês intelectual, o seu nicho particular, o nome que ele cita elevando os olhos a um céu em que não acredita, só para épater le bourgeois. Um nome que ele conhece porque se perdeu em Vicenza à procura de uma pizza com ananás e se confrontou com um espectáculo gratuito.

Há em mim uma espécie de pequeno burguês intelectual numa versão melhorada - até porque não gosto de pizza, menos ainda com ananás. Se perguntarem às pessoas da minha geração o que ouviam há 45 ou 50 anos, todos referirão os pavarottis daquele tempo: Genesis, Pink Floyd, Beatles, Bob Dylan. Ser-se da pequena burguesia intelectual é dizer que se ouvia (também) Júlia Barroso ou Maria de Fátima Bravo, que são (também) o meu Bragantini de Vicenza - mas em melhor.

JdB   


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