09 junho 2021

Vai um gin do Peter’s ?

OVO DE COLOMBO PARA AJUDAR OS POBRES 

Na capital da Colômbia, um atento e bondoso condutor de um camião do lixo de Bogotá reparou que nos bairros ricos da cidade, mais a Norte, havia livros nos caixotes do lixo. Muitos, demasiados. Num país de enormes contrastes sociais, aquele trabalhador nocturno, que se ficara pela Primária, tinha a noção da importância daquela ferramenta de cultura para as inúmeras crianças pobres do seu país, sem acesso a um bem que outros se davam ao luxo de desperdiçar irresponsavelmente. Apesar ou talvez por causa dos seus parcos estudos, José Alberto Gutiérrez sabia que a aprendizagem poderia ser o elevador social para os nascidos nas zonas desfavorecidas, reféns do círculo vicioso da pobreza. 

Resolveu começar a coleccionar os calhamaços encontrados nos caixotes de lixo. Contou com a colaboração da mulher para os recuperar e da filha para os ordenar nas estantes com que forrou as paredes da casa. Alguns ricos acabaram por se aperceber do seu projecto e fizeram doações generosas, pelo que, em pouco tempo, Gutiérrez constituiu uma biblioteca com mais de 25 mil volumes, que abriu aos mais pobres de Bogotá, genericamente residentes no bairro La Nueva Glória. 


Recordação da infância, que adorava ouvir a mãe ler-lhe histórias, ao deitar. 

Dos 90m2 do seu apartamento, 70m2 ficaram para uso do público, chegando-lhe a pequena área sobrante para viver com a família. 

Com sentido poético, José Alberto baptizou o novo espaço bibliográfico de «La Fuerza de las Palabras», inspirado no lema que o motivara e dera forças para persistir no seu sonho educativo, ajudado pela família. 

Entre os seus compatriotas tornou-se conhecido por «el señor de los libros» e a sua fama galgou fronteiras. Em Junho de 2017, a BBC noticiou-o com o título «Dustbin man builds free library of thrown away books». A Associated Press dedicou-lhe uma reportagem, que remata com o desejo maior de José Alberto – erradicar a ignorância do planeta, acreditando no poder imenso do conhecimento para o pleno desenvolvimento humano e a promoção da paz. Foi só algo naïve, ao associar a educação directamente à paz, baseado na velha crença de que o saber, só por si, torna os seres humanos mais bondosos, pacíficos, sociáveis. Infelizmente, isto é desmentido pelos factos, como a história mostra à saciedade. Basta lembrar a elite nazi, a quem não faltava (na maioria) estudos e até um especial gosto pela cultura. Vários deles eram frequentadores assíduos de tertúlias eruditas e melómanas. O próprio Gutiérrez é a prova viva de como a generosidade e os gestos de paz provêm mais do ‘coração’ do que das habilitações literárias e da profusão de talentos intelectuais. É apenas um pormenor que em nada retira mérito à grandeza e eficácia da iniciativa de Gutiérrez, que já franqueou o acesso à universidade a muitos visitantes da sua casa-biblioteca: 


No Vaticano, também na mesma linha de atenção aos necessitados, mas indo mais longe na origem das decisões bondosas, Francisco partilha conselhos práticos sobre a melhor forma de chegar a quem sofre, começando pelos doentes. No seu estilo directo, cheio de humor e descomplicado, explica como a receita é simples, quando as atitudes partem de um coração voltado para o próximo: primeiro ouvir, reparar em quem nos rodeia e só depois falar. Mesmo a calhar para o nosso tempo, que se acha campeão da comunicação…  


No colombiano e no Papa argentino a ‘Força das Palavras’ e, mais ainda, das suas vidas, são uma dádiva a favor do próximo. Inspirados e inspiradores, como bibliotecas em carne-e-osso. 

Maria Zarco
(a  preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)

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