14 novembro 2022

Crónica de um serviço ao Caribe (II)

 De um certo modo, penso que muitos de nós sentimos fazer parte da História quando temos filhos. Talvez seja um dos momentos em que a nossa pequena existência se engrandece e assume uma dimensão até então nunca sentida. Não digo, com isto, que não haja outras formas de dar tamanho à alma, porque não é só na paternidade / maternidade que nos alcandoramos a um patamar diferente. Se me lembrar de Viktor Frankl, de quem já aqui falei várias vezes, talvez isso também aconteça com um grande amor ou com um grande projecto.  

Estar numa reunião de organizações ligadas à oncologia pediátrica não é tarefa inédita. Esta foi-o, por serem organizações latino-americanas como quem ainda não estivera de forma substantiva. Impressiona sempre o nível de actividade, de dedicação, de competência destas pessoas, algumas das quais trabalhando em circunstâncias políticas ou económicas muito desfavoráveis. Impressiona o nível de colaboração entre médicos, voluntários, pais, sobreviventes, uma comunidade unida pelo mesmo objectivo: minorar o sofrimento das crianças / adolescentes / jovens adultos afectados pelo cancro, tomar atenção às necessidades de sobreviventes e prestar o auxílio possível aos Pais neste processo tão doloroso. 

Disse-o várias vezes, não sei se o escrevi aqui: é notável a quantidade de gente boa que tenho conhecido desde que me iniciei nestas andanças internacionais. A mancha que ressalta é uma mancha humanamente gratificante, sem vaidades pessoais ou agendas escondidas, numa vontade imensa de colaborar, de encontrar soluções ou de procurar caminhos comuns. Estou certo de que qualquer médico me atenderia uma chamada, me responderia a uma mensagem caso eu tivesse necessidade, ou lhe encaminhasse um caso mais desafiante. 

Até 2030, esta comunidade internacional estará envolvida num projecto global de combate à oncologia pediátrica. Pretende-se que a taxa de sobrevivência global seja de 60% (é muito inferior, hoje em dia) e pretende-se minorar o sofrimento destes doentes. O sucesso desta "empreitada" permitirá salvar 1 milhão de vidas - crianças ou jovens com um nome, com sonhos, com aspiração a serem agricultores, futebolistas, médicos. O nome de cada um deles, deste milhão de crianças que iremos salvar, está, como não me canso de repetir, gravado em cada um dos nossos corações.

Fazer parte deste projecto é ser protagonista da História, é assistir à mudança global de uma parte dolorosa da nossa existência. Em cada sobrevivente com que me cruzo vejo a esperança em dias melhores, vejo a conquista que a ciência faz no terreno do sofrimento e da morte. 

A fotografia acima é uma boa metáfora para coisas maiores. Uma das raparigas é uma sobrevivente colombiana, de Cali. Dizem-me que nunca tinha visto o mar.

JdB

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