1) Em tempo idos tive um chefe que, em lhe sugerindo qualquer coisa, ele respondia: "em que é que isso aumenta o PIB?" A ideia dele era clara: ou o tema tinha uma utilidade financeira ou então não valia a pena pensar-se nisso.
2) Para Aristóteles (parece-me) a humanidade tinha um desejo inato de saber mais. Para Platão (também me parece) a humanidade queria lembrar-se do que já havia aprendido. É nesse sentido que um rapaz barqueiro do séc. XVIII, confrontado com a pergunta: "o que estarias disposto a dar, rapaz, para saber alguma coisa sobre os Argonautas?", respondeu imediatamente: "daria tudo o que tenho."
3) Uma passadeira eléctrica permite que um ser humano ande durante o tempo que quiser sem sair do mesmo sítio.
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Estas três notas introdutórias têm uma ligação evidente, embora a descoberta de um ponto de encontro entre um filósofo grego e um equipamento dedicado ao exercício físico seja um desafio. E, no entanto, Aristoteles foi uma espécie de defensor do conceito de passadeira, embora tivesse sido o criador do peripatetismo. Já o meu chefe estaria na barricada oposta.
A passadeira é uma boa metáfora: por mais que se mexa as pernas não se consegue de ir do ponto A para o ponto B; quedamo-nos sempre no mesmo sítio, isto é, aparentemente anda-se, mas não se avança. O rapaz barqueiro tinha por mister levar os clientes do ponto A para o ponto B. Saber algo sobre os argonautas não lhe acrescentaria valor prático; no entanto, daria tudo o que tem para saber algo sobre o tema. Já o meu chefe não quereria saber disso para nada, porque esse conhecimento não acrescentaria um euro ao PIB. Provavelmente também não andaria numa passadeira, porque tinha a sensação de não avançar.
A curiosidade, o desejo de saber ou de conhecer é, para os mais fundamentalistas, uma espécie de andar sem se avançar. A passadeira, na sua existência metafórica, é o contrário de uma espécie de utilitarismo que elimina o prazer ou a felicidade para se focar no que é útil.
Não gosto da ideia de passadeira, mas vou estar mais atento àqueles que também não gostam, para lhes vislumbrar utilitarismo ou sedentarismo mórbido.
JdB
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