09 novembro 2022

Vai um gin do Peter’s ?

MECENATO COM CEIA INSPIRADORA E EM CRESCENDO

O MNAA (Arte Antiga) voltou a receber nova tela da coleção privada da Fundação Gaudium Magnum (https://www.gaudiummagnum.org/), pertença de Maria e João Cortez de Lobão. Desta vez, a obra cedida ao Museu é da autoria do francês Charles de La Fosse (Paris, 1636-1716) e vem acompanhada do estudo que a antecipou, o que permite descobrir diferenças cheias de significado.

Na primeira versão da Ceia de Emaús, oferecida pela pequena tela do Estudo, capta-se um momento mais inicial da cena do Evangelho de Lucas, há menos figuras, menos céu, menos elementos sobre a mesa, uma pose diferente em Jesus, quem serve está mais tapado e trajado com maior simplicidade, embora já exiba as feições mulatas. Na obra final, esta personagem surge numa posição próxima do centro e com maior visibilidade graças ao turbante claro bem recortado sob o céu crepuscular. A bandeja de prata que segura já está vazia (no estudo, ainda transporta o pão) e estrategicamente colocada sobre a cabeça de Cristo formando uma auréola luminosa. No quadro final, o momento da famosa ceia descrita no Evangelho de Lucas está mais avançado, pois o Salvador já abençoa o pão que repartirá pelos discípulos, fascinados a olhá-Lo. Atrás, outras figuras (passa a ver duas mulheres) também acompanham a bênção do pão, onde o Crucificado se dá a conhecer como Ressuscitado e reafirma a importância da Eucaristia. A mesa da tela final está repleta de peças, exibindo um trabalho minucioso de natureza-morta e a profusão de claro-escuro do barroco.  

Título original:  «Le Christ et les pélerins d'Emmaüs», c.1700-1705, óleo sobre tela, | 124,5 × 135 cm.  Traços da escola veneziana de Veronese. 

«Estudo para a Ceia em Emaús», c.1700-1705 | Óleo sobre tela | 29 × 22 cm |
Fundação Gaudium Magnum | © Jorge Simão (pós-produção: José Ventura)

Nas duas telas, o epicentro luminoso envolve a figura de Cristo e ressalta da toalha branca, onde repousa o pão que é co-protagonista do conhecido episódio bíblico. Como observa Miguel Soromenho, na folha de sala, em ambas persiste um flagrante contraste entre o espanto dos discípulos e a serenidade do Ressuscitado. Esta diferença de posturas adensa a narrativa e denuncia a origem cortesã do pintor, exímio na coreografia teatral, no requinte da baixela (na tela final) e no gosto pela mistura de elementos de época, de cariz mais profanos, como a figura do mulato.  

Charles de la Fosse provinha de uma família de ourives e foi discípulo do influente Charles le Brun (1619-1690) ligado à constituição da Academia Real de Pintura e Escultura (1648). Por recomendação do poderoso ministro Colbert, viajou durante dois anos por Itália, entre Veneza e Roma, como bolseiro de Luís XIV. Esse périplo marcou a sua formação, complementando a tradição do primeiro barroco francês com a escola do mestre veneziano Veronese, o colorismo bolonhês, o classicismo de Rafael e influências de Rubens, sobretudo nas figuras femininas. De Itália trouxe também as últimas técnicas de pintura a fresco, que o notabilizaram nos grandes murais dos estaleiros reais. De regresso a Paris, integrou a equipa de Le Brun incumbida das pinturas nos palácios das Tulherias, de Versailles, dos Invalides, enquanto respondia a outras encomendas da coroa francesa, do clero e de mecenas importantes. Foi nesse contexto que trabalhou na residência do Lord Montagu, em Londres (entre 1689 e 1691) e no palácio parisiense do coleccionador Pierre Crozat, onde o pintor viveu os últimos anos de vida. Também dirigiu a Academia Real e tomou partido na querela fracturante da época, que opôs os adeptos do primado do desenho aos defensores da superioridade do colorido, alinhando com estes. 

Mais um programa animado para fins-de-semana invernosos (até 15.Jan.2023), a desfrutar o Museu instalado no palácio seiscentista do 1º Conde de Alvor (Távora), com uma das melhores vistas para o Tejo. Ainda se soma ao acervo pictórico e escultório do MNAA, a possibilidade de rever o recheio da Capela do extinto Convento das Albertas (ampliação posterior).  

Palácio dos Condes de Alvor.

Jardim do MNAA e vista para o Tejo.

Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)

1 comentário:

Anónimo disse...

Parece mal escrever que gosto, que aprecio (quase sempre).
Enfim, Vexa tem pisado terrenos onde pisa à vontade.
Cumprimenta
ao

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