28 novembro 2022

Dos locais de passagem

 


Esta fotografia foi tirada no Hospital Santa Maria este sábado. Não há dúvida do que quer dizer: não se pode / deve atravessar este serviço para ir de A para B, isto é, o espaço não serve de corta-mato. Esta fotografia pode ler-se como um aviso claro, auto-explicativo, óbvio. Mas também pode ler-se como uma metáfora para outras coisas importantes da vida. Para isso é preciso dar-se um sentido diferente à expressão serviço. Pode ser amizade, amor, carreira, projecto. Ou pode ser, na sua visão mais radical, vida, ou seja,  a vida não é local de passagem

Eu sei que para um cristão a vida é apenas uma passagem para a eternidade, e este singelo A4, na interpretação que quis dar-lhe, não contraria esse ensinamento, e podemos regressar à lógica do hospital: atravessar este serviço implica uma ausência de registo, porque a pessoa quer apenas atravessá-lo, não usufruir do que se disponibiliza lá dentro; implica incomodar quem lá está, talvez mesmo invadir um pudor de quem está numa maca, numa situação de fragilidade. É uma passagem efémera, sem deixar um traço, uma evidência, uma marca. Uma circulação rápida de um ponto para outro.

A vida não é local de passagem. Não podemos ir do nascimento (o ponto A) para a morte  (o ponto B) sem querer tocar a vida dos outros, sem nos registarmos, sem aproveitar o que a vida nos dá, ou mesmo sem pararmos aqui e ali para vermos como deixar o mundo um pouco melhor. A nossas caminhada na Terra não pode ser um corta-mato.  

Este serviço não é local de passagem. Agradeçamos esta metáfora tão curiosa ao Serviço Nacional de Saúde. 

JdB

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