07 março 2023

Da ida aos touros em Olivença



A convite de gente que me é próxima voltei aos touros em Espanha, passados, talvez, 20 anos.

Ir aos touros a Olivença é um programa desafiante sob vários motivos. Podemos ter a ideia saudosista de pisar terra portuguesa, ocupada ilegitimamente pelo infame vizinho; podemos ter a ideia de que vamos assistir a um espectáculo bárbaro que a burocracia árida da União Europeia não conseguiu proibir; podemos ter a ideia de que assistimos a um espectáculo desconfortável - em bom rigor, uma praça pequena onde distância para nos sentarmos é exígua e o encaixe entre as costas de quem nos está à frente e as pernas de quem nos está por trás tem de ser de uma precisão milimétrica, sob risco de cãibras e dores de costas; podemos ter a ideia de um espectáculo caro - afinal, um concerto na Gulbenkian, bem sentado e sem aperto é mais barato; podemos, por fim, ter a ideia de que se perde uma corrida (e o respectivo valor) porque a chuva que cai torna a lide impossível. 

Gostei de voltar às corridas de touros, porque gosto - ou não desgosto o suficiente - de tudo. Gosto da tradição dos acenos que, em extremos opostos da bancada, os populares fazem entre si à hora a que a corrida deve começar; gosto de uma certa irmandade que se sente, de pessoas que não se importam com um pé grande que assenta numa nádega alheia, que ajudam o próximo a não cair ou que abrem um sorriso quando percebem que somos portugueses. Gosto da alegria que se sente, das pessoas que se riem quando, ao segundo capotazo, já há alguém que grita "música, coño!", como também gosto das pessoas que se irritam com a falta de silêncio. Gosto, e muito, de uma certa ideia de ritualismo, de cerimonial, de pequenos gestos que são sinónimo de cortesia ou de orgulho por parte do matador de touros ou dos seus peões de brega. Gosto do risco, do arrojo - gosto menos de uma certa ideia de passes quase circenses; até gosto do meu próprio medo de que, num golpe de infortúnio, uma lide se esvaia numa poça de sangue; gosto das superstições, de observar o que fazem os intervenientes quando pisam a arena e percebem que vão defrontar um animal com 500 kg.  

Não me apanharão numa discussão sobre touros de morte, como já raramente me apanham numa discussão sobre religião ou, menos ainda, sobre Igreja. Há temas sobre os quais não vale a pena discorrer em público, bastando apenas dizer que se gosta. Há muito tempo que não ia a uma corrida de touros e gostei de voltar. Mais a mais em Olivença, com gente cuja companhia aprecio.  

Olé!

JdB 

1 comentário:

Anónimo disse...

É tão simples escrever o simples.

Abraço

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