30 agosto 2010

Moleskine

O caso da herança Feteira. Tenho seguido com moderado interesse o caso Feteira. Gostei de ver ambos os advogados empenhando a sua honra em nome da elevada estatura moral das suas constituintes, a amante assassinada e a filha de uma relação paralela, penso que apelidada pelo pai de víbora. O velho Lúcio Tomé Feteira, que por ser finado talvez não tenha um advogado que lhe gabe as superiores e inequívocas qualidades éticas, deixa um imbróglio em testamento, para além de uma vida fértil em extraconjugalidades. No seu leito de morte, com os olhos enevoados de saudades da sua Vieira de Leiria, terá murmurado para quem o ouviu: quem vier atrás de mim que feche a porta. Eu, que não sou herdeiro e não conheço a localidade, socorro-me do livro que tenho entre mãos, nomeadamente do título do capítulo doze: a promoção da beleza de se ser pobrezinho.

Livros. Depois de os considerar perdidos, tento reavivar o funcionamento dos dois hemisférios do meu pobre cérebro, lendo intercaladamente dois livros. Refiro-me, agora, ao Diário dos Vencidos, com o subtítulo O 5 de Outubro visto pelos monárquicos em 1910 (Joaquim Leitão, Ed. Aletheia).

Do prefácio:

A revolução do 5 de Outubro não foi uma batalha. Foi uma defecção.

A páginas 113/114:

- Mas estavam bombardeando o paço? ... – perguntou incrédulo o sr. major-general.

- Estavam, sim, sr. vice-almirante. Vi eu e viram dezenas de pessoas que vinham comigo no vapor. Parámos até cerca de meia hora. E vi fazer uns quinze tiros para o paço.

- Ah! Se estavam bombardeando, é preciso fazermos alguma coisa!...

Mas ia servir-se o lanche, e a Majoria e o sr. ministro da Marinha sentaram-se a comer.

Mineiros do Chile. Ao invés do caso Feteira, sigo com forte interesse o drama dos mineiros enclausurados a 700 metros de profundidade. Primeiro, porque sofro de alguma claustrofobia; em segundo, porque me interessa saber a forma como se vão organizar, que rotinas criarão, como irão gerir os conflitos e as depressões. Por enquanto move-me a ciência - se bem que não descarte a parte humana. Guardarei a emoção para quando os vir regressar à superfície, a tempo da consoada. Das várias mensagens que foram enviadas para os mineiros, escolho esta: fartámo-nos de rir com o que vais ganhar em horas extraordinárias...

Filme. Fui ver o Salt. Estava calor e, à falta de me apetecer praia, atirei-me a uma matinée num centro comercial, o que pode parecer vagamente depressivo. O filme é francamente mau mas descansa-me os neurónios – os que sobram – do esforço da leitura de dois livros em paralelo. Muitos mortos, acrobacias de fuga e sobrevivência que nem a fusão do 007 com o Indiana Jones tornaria possível. O que se aproveitou? Duas fugazes cenas em que a beleza de Angelina Jolie nos embate na testa. E, porque não é despiciendo, a boa temperatura da sala.

Dúvida. Há algum tempo partilhava esta dúvida com uma amiga: devemos educar os nossos filhos a sobreviver neste mundo cão, uma vez que é nele que irão viver, ou devemos ensiná-los a transformar o mundo, mesmo que nos pareça impossível?

Elogio. Ao que parece, os apoderados do cavaleiro tauromáquico João Moura foram, no início da sua carreira, o pai e o tio. Segundo me contaram (e não afianço a veracidade da história), sempre que o rapaz tinha um sucesso os apoderados exclamavam: hoje estivemos muito bem. Quando o cavaleiro se espetava, metaforicamente, ao comprido, os mesmos cavalheiros pronunciavam-se: o rapaz hoje não esteve bem. Lembro-me de 5ªfeira, do meu Sporting nas frias terras dinamarquesas e só me ocorre dizer: hoje nós tivemos uma bela vitória. Mas eles (o Sporting) não jogam grande coisa.

Boa semana para quem me lê.

JdB

4 comentários:

Anónimo disse...

Quanto à "dúvida": ensiná-los a transformar o mundo mesmo que nos pareça impossível. Sempre. bjs. pcp

maf disse...

eu leio e gosto. Gosto especialmente deste moleskine que já conhecia de outro blogue. Gosto da forma sucinta, às vezes jornalistica, às vezes sarcástica, às vezes comovente, às vezes hilariante, às vezes desconcertante. Gosto da forma como escreve e do que escreve. Eu leio e gosto. Boa semana para si também.
Maf

Alguém atento disse...

A dúvida: é uma constante da vida... mas isso também a tua amiga saberá.
O filme: má escolha! A Origem (Inception) é um desafio aos limites do impossível. Mas compreendo o efeito Angelina...
Os mineiros do Chile: um milagre, dito isto por alguém que não crê em Deus. Resta aguardar um desfecho vitorioso para todos, que o merecem!
O elogio: ser Leão é saber sofrer... é esforço, dedicação, devoção e, às vezes, alguma glória, eis o Sporting!

Um beijo atento,
S

Luísa A. disse...

João, nunca tinha pensado nessa técnica da leitura de dois livros em simultâneo para reanimar os dois hemisférios cerebrais. Julgo, em todo o caso, que deveriam incidir sobre matérias diferentes, uma vez que, segundo se diz, são diferentes as faculdades aninhadas nos ditos hemisférios: um sendo muito emocional (a pedir romances), outro muito positivo (a pedir análises estatísticas ou estudos astrofísicos).
A questão dos mineiros também me impressiona e preocupa. Não tanto pelo tempo que lhes sobra, como pelo espaço que lhes falta. Deus (ou a sorte…) os proteja.
Sobre a dúvida, João, diria que talvez devêssemos considerar ambas as perspectivas. Afinal, o mundo é de cão desde que se conhece, mas tem melhorado, devagarinho, graças a algumas pessoas. :-)

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