Festejos (I). Chamo-lhe Anacleto por amizade, ternura e graça, se bem que o seu nome não seja esse. Tem síndrome de Asperger e festejou os 18 anos no passado Sábado, rodeado de amigos, primos, tios, professores, colegas de escola. Já lá vamos... Conheci os pais do Anacleto (a P. e o N.) no terrível ano de 2001. Tendo na alma um propósito definido, um grupo rezava semanalmente o terço, e a P. foi desafiada. Ninguém lhe levaria a mal uma recusa, conhecendo-se-lhe a vida ocupada e difícil. Não hesitou, no entanto, alegando que para isso uma mãe arranja sempre tempo. Isso não era rezar, simplesmente, mas era fazê-lo com quem, apesar de desconhecido, passava um mau momento. Comecei a perceber que quanto mais se faz pelos outros mais tempo se tem para os outros. Regresso à festa: missa, lanche, o Anacleto a tocar magnetofone (?) num misto de concentrado e mirando al tendido, acompanhado por dois professores. Palmas, risos, lágrimas, o aniversariante numa felicidade contagiante, a família num orgulho comovido. Noutro lugar, com outros Pais, talvez o Anacleto fosse um analfabeto torcido numa cadeira, olhando, sem futuro nem alegria, para uma vida vazia de sentido. Noutro tempo, com outros Pais, talvez o Anacleto não existisse, fruto de uma gravidez que se interrompe porque este mundo não é para quem tem problemas. Hoje, com a P. e com o N., o Anacleto é tudo o que poderia ser, face à sua circunstância. Mas o Anacleto é mais: é a evidência de uma vontade, de uma fé que tem dias, de uma luta que se faz diária. O Anacleto é o ponto de união de uma miríade de pessoas. O Anacleto é, acima de tudo, o lugar geométrico do Amor.
Festejos (II). No mesmo dia, separado por poucas horas, o festejo dos 50 anos da minha querida amiga ETM. Olha-se para ela, para os filhos, e questionamo-nos se não terá sido mãe adolescente... Quando o marido derrama um olhar apaixonado sobre a aniversariante, tem a certeza de se sentir sortudo – para além de inteligente. Está tudo óptimo é o título de um livro que a E. ajudou a fazer e que se aplica à festa. Mas, acima da qualidade do repasto e da alegria da noite gostaria de realçar o que é menos tangível: a amizade que me une ao casal. Nos últimos anos fui convidado para festas onde era o amigo mais recente dos festejados. Nalguns casos muito mais recente. A minha ligação ao casal remonta, também, a 2001. O que poderia ser apenas uma amizade improvável e jovem tornou-se num sentimento forte, partilhado e que, estou certo, resistirá à erosão do tempo. Devo-lhes muito: a companhia, a solidariedade, a crítica, o apoio, a abertura, o incentivo. Se podia viver sem a amizade da E. e do A.? Poder podia, mas não seria a mesma coisa. Não seria, seguramente, a mesma coisa.
Livro. Leio O Bom Inverno (João Tordo, Ed. D. Quixote). Cito: “Se estiver a dizer disparates, corrige-me. Mas cada vez mais acredito que só vale a pena ler um romance – neste caso um bom romance – quanto temos uma pergunta na cabeça para a qual não sabemos a resposta. Ou, mesmo que tenhamos encontrado a resposta, se precisamos de confirmação”.
Kátia Guerreiro. Concerto, 5ªfeira passada, no auditório da Senhora da Boa Nova, no Estoril, com o ensemble da Orquestra da Baixa Normandia. Fica um videoclip (ainda se chama assim?) de um fado cantado por ela. Não é do concerto mas, para quem é fã como eu, já basta para recordar. Casa quase cheia, com vários encores, entre eles um dueto improvisado com Ricardo Ribeiro, que também aqui disponibilizo. Quem gostar que se deleite. Quem não gostar, que tenha lá paciência...
8 comentários:
100% JdB! Gostei muito. Lê-lo faz-me sempre parar. Bjs. pcp
jdb, você tem uma vida social intensa!!! rsrsrrssr Brinco, claro. Já uma vez aqui escrevi sobre a Amizade e continuo a acreditar que a força da amizade não está no nr. de anos, mas sim na razão da sua nascença. As amizades que nascem na dor, são as que se revelam mais fortes e inquebráveis. As que nascem em Cristo são as mais incondicionais. As que datam da infância são as mais livres, sem cobranças. E por aí fora.
Atrevo-me a advinhar que as duas amizades de que fala no seu Moleskine de hoje, estão na primeira categoria.
Bj Maf
João, gostei de ler estes seus testemunhos do que vale a amizade, dos obstáculos que ajuda a vencer. É um tema que, actualmente, me sensibiliza imenso. A amizade é sempre um terreno frágil, surpreendentemente frágil para a força daquilo que nele germina. Os britânicos dizem que o sangue é mais espesso do que a água, mas a água bem doseada é, na minha experiência, bastante mais fecunda.
P.S.: Sobre os fados, terei a maior das paciências. ;-)
Sempre me deliciei com os seus Moleskines. Também acho, como a Luísa, que a amizade é um terreno frágil e surpreendente. Mas olhe que sobre os fados, devo admitir e confessar que a minha paciência é ainda mais frágil... uma porcelana.
Bom dia JdB.
Mais salpicos agradáveis sobre coisas tão simples, mas tão difíceis. A amizade, a fé, a força e a vontade de lutar. Senti e beneficiei de tudo isso nesse dia fantástico. Podia ter continuado a viver sem eles (E, A, P, N e Anacleto) podia...mas agradeço todos os dias termos cruzado as nossas vidas.
Quanto ao livro, o título assusta-me, mas concordo que ele há pessoas que precisam de confirmação, outros acreditam na sua intuição.
Obrigado a todos pela visita e comentários.
PCP: fique com a certeza de que escrever - sobretudo sobre alguns temas - também me faz parar.
Maf: ui (quanto à vida social...). E para a semana são mais uns 50 anos de outra amiga a quem devo tanto, nomeadamente catequese ao domicílio naquele ano de 2001. A sua apreciação sobre as amizades está perfeita.
Luísa: A idade (no meu caso, é claro), a sabedoria e a vida vai-nos ensinando o valor das amizades, da sua importância e, como diz da sua fragilidade. É por isso que as temos de acarinhar. O Principezinho sabia bem do que falava. Agarre-se de paciência, vá, que não perde tudo. Fado é bom.
Mike: gosto de o ver por aqui e por ali, onde durante tempo uma palmeira nos fez sonhar com outras praias. Bom regresso e obrigado. Para si os mesmos desejos quanto ao fado.
Ana LA: foi um dia bom, não foi? Não só pela parte social, não só pelo tangível mas, sobretudo, por aquilo que é invisível aos olhos. O título pode parecer assustador mas o conteúdo é bom. Vá por mim. Enfim, diria eu...
obrigada pelos fados! São um bom consolo para quem não conseguiu ir ao concerto.
Comovente o Anacleto. Obrigada pelas boas novas.
Beijinhos
Enviar um comentário