18 março 2011

shotgun stories (mais um adeus português)

no dia em que encerrei a década
não era dia - mas noite funda -
num daqueles golpes do acaso e da semântica.

a cidade que foi nossa era agora
minha e tua, coisa bem diferente,
e tinha-se posto bonita para ti.

cervejas e cigarros,
batôn muito suave e lágrimas,
humana panóplia

e de repente
hopper
era afinal lisboeta, como nós.

lá para o final do final
lembraste a cena do filme
e perguntaste-me:

-lembras-te? os dois irmãos,
talvez dentro, talvez fora
de casa.

-lembras-te? o rapaz casadoiro
perguntando ao irmão casado
"como conseguiste, como consegues"?

-lembras-te? o mais velho respondendo:
"simples, mano.
escolhi que era ela, para o resto da vida."

foi nesse momento,
e o nevoeiro caía já (ou só dentro de mim?),
que te respondi:

-sim, lembro-me agora.
do filme, da cena, desse diálogo.
by the way: qual é a moral da história?

mas já tinhas disparado,
numa furiosa polissemia,
as caçadeiras lá de cima.

atirar assim ao coração
devia ser um desporto proibido.

(e desapareci.)

gi.

2 comentários:

Anónimo disse...

Achei a referência ao Hopper o máximo. Tem tudo a ver com o "ambiente" do poema. Lindo e triste. Obrigada. pcp

marialemos disse...

C,
Tal e qual
http://en.wikipedia.org/wiki/File:Nighthawks.jpg
Adoro Hopper:)

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