12 dezembro 2011

Fórmula para o caos


No seguimento do post anterior, relativo aos primeiros anos de actuação política de Silvio Berlusconi, partilho este artigo do ex-conselheiro do Senado italiano Edoardo Campanella. Ficam bem vincadas as razões pelas quais Berlusconi esteve tanto tempo no poder. E, ao contrário do que é a percepção generalizada da opinião público, o fenómeno deve-se em grande parte ao eleitorado italiano e não tanto às manobras judiciais em que Il Cavalieiri se especializou.

Pedro Castelo Branco

A Itália sempre teve um fraco por figuras autoritárias. Imperadores, reis, príncipes ou déspotas detiveram o poder uns após outros desde o tempo do Império Romano. A última personalidade dominante, Silvio Berlusconi, abandonado pelos seus apoiantes sob a pressão dos mercados financeiros globais, deixou de ser primeiro-ministro. A fragmentação política, as restrições de idade e a exaustão emocional induziram-no a prometer que não concorreria outra vez a cargos governativos.

A queda de Berlusconi marca o fim de um dos mais controversos capítulos recentes da democracia ocidental. A História julgará as acções de Berlusconi, mas os Italianos permanecem divididos. Todos concordam que ele nunca foi primus inter pares. Para os seus devotos, era como um monarca iluminado, um homem que desistira dos seus bem-sucedidos negócios privados para ajudar a Itália a reconstruir-se a partir das cinzas do sistema partidário Italiano do pós-Guerra, sistema este que desembocara num vasto escândalo de corrupção que deixara quase nenhuma parte do governo sem mácula. Para os seus oponentes, Berlusconi era comparável a um déspota, mesmo que eleito democraticamente, que abusava do seu cargo ao perseguir os seus interesses comerciais e ao proteger-se de sanções legais.
Qualquer que seja o ponto de vista, a história da ascensão e queda de Berlusconi foi escrita há muito tempo, durante o Renascimento, na obra clássica de Niccolò Machiavelli O Príncipe. Berlusconi seguiu cuidadosamente todos os ensinamentos de Machiavelli em como obter e manter o poder – todos menos um, e esse lapso selou o seu destino.
De acordo com Machiavelli, um cidadão proeminente é escolhido como príncipe pelo favor dos seus concidadãos se a sua autoridade for apercebida como proveniente da sua capacidade de os defender da elite (naquele tempo, a nobreza). Quando Berlusconi começou em 1994 a sua aventura política, os italianos queriam protecção de uma classe dirigente que se revelara completamente corrupta. Apresentou-se como um bilionário autodidacta, disposto a entrar na política para o bem do país. A sua enorme riqueza era a garantia da sua honestidade.
Mas Berlusconi também garantiu a sobrevivência de uma classe política que tinha perdido a sua credibilidade. Muitos líderes do centro político italiano foram acusados de corrupção; a esquerda perdera o seu encanto depois do colapso da União Soviética; e a direita nunca readquiriu confiança devido ao legado fascista. Berlusconi apareceu como um salvador, porque parecia posicionar-se algures além destas tendências e dos seus legados envenenados. Os políticos só precisavam de estar com ele ou contra ele, independentemente da ideologia. O seu partido estava baseado num culto da personalidade tão forte que mesmo quando liderava a oposição (como fez durante metade dos 17 anos da sua carreira política), a política italiana manteve-se centrada nele.
Quando estava no poder, Berlusconi era mestre em mantê-lo. De acordo com Machiavelli, um príncipe é elogiado pela ilusão de manter a sua palavra. Possuir os principais canais de TV italianos e muita da imprensa popular simplificava isto para Berlusconi, e algumas vezes terá também recorrido à censura dos canais de televisão estatais. Os seus meios de comunicação reportavam meias-verdades, descrevendo um país com uma economia sólida e uma boa reputação no exterior. De facto, um débil crescimento económico, escândalos legais, e a ausência de objectivos de longo prazo estavam a conduzir a Itália a um declínio íngreme.
Machiavelli argumenta que um príncipe deve estar bem armado para poder agir contra potências externas. No caso de Berlusconi, estas potências eram na verdade internas mas fora do seu controlo. O seu arqui-inimigo era o sistema judicial. Enfrentou 16 julgamentos por ofensas várias alegadamente cometidas antes da sua carreira política. O exército ao seu dispor era o mais forte que uma democracia tem: a lei. Ele aprovou diversas medidas para se proteger e aos mais próximos de si, da perseguição, argumentando ao mesmo tempo que os comunistas conspiravam para o derrubar.
Finalmente chegou a queda. Machiavelli argumenta que as acções do príncipe não devem ser restringidas por considerações morais – que persiga os seus objectivos políticos por quaisquer meios. Isto foi precisamente o que um cada vez mais fraco Berlusconi tentou fazer.
De modo a assegurar o poder nos meses mais turbulentos da sua carreira política, Berlusconi obteve o apoio de muitos membros do parlamento através de patrocínio directo, atacou publicamente os seus perseguidores e tentou enfraquecer o orçamento de emergência adoptado em Julho de modo a beneficiar as suas próprias empresas. Foi aqui que se desviou do caminho de Machiavelli.
Para Machiavelli, o objectivo último de um príncipe deve sempre parecer ser o bem comum, não o seu interesse próprio. Berlusconi entendeu mal esta lição. Confundiu o público com o privado e forçou regularmente o parlamento a tratar dos seus assuntos pessoais, empresariais e legais. No fim da sua aventura política, perdeu o contacto com a realidade, incapaz de reconhecer que uma economia deprimida potenciava o aparecimento e o crescimento do descontentamento popular.
Eventualmente, Berlusconi perdeu o apoio até dos seus lealistas, quando o seu governo perdeu a ilusão que estava a servir um mandato público. Por isso um governo provisório, dirigido pelo tecnocrata Mario Monti, recebeu agora a tarefa de não apenas restaurar a saúde das finanças públicas italianas, mas também de revitalizar a legitimidade das suas instituições democráticas.
Se a visão cíclica da história que impera em Itália está correcta, os italianos estão mais uma vez à espera de ser governados por uma nova personalidade dominante. Mas a paisagem política actual está tão fragmentada que nenhum indivíduo carismático será capaz de ascender ao poder numa altura próxima. O tempo dos príncipes, monarcas iluminados ou dos déspotas democráticos em Itália terminou – pelo menos por agora.

1 comentário:

Luiza Azancot disse...

Estando a viver em Roma e tendo assistido a' queda do Principe achei o artigo de E. Campanella muito interessante. Obrigada.
As razoes da queda sao sem duvida as que aponta mas o "evento" que despolotou a queda, segundo se diz por ca', foi um telefonema posto em alta voz e ouvido por quem nao devia. Problemas da tecnologia!
Luiza Azancot

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