18 junho 2012

Vai um gin do Peter’s?

Quantas pessoas conhecemos a considerarem a festa um dos três dons da vida, neste trio: família, trabalho e festa? Claro que se devem excluir os organizadores de eventos, a começar pelos Jogos Olímpicos, o Mundial ou até o animado Rock in Rio. Assim como as fadas-madrinhas, desenhadas por Walt Disney... Conheceremos mais alguém? Já agora, com que idade?
Quantos conhecemos a achar possível o testemunho do amor vivido ter mais impacto do que as reflexões empolgantes sobre um assunto que parece ter disparado para a esfera do sonho? Ainda por cima, proliferam os comentadores de serviço, prontos a dissertar sobre tudo o que interessa (ou melhor, que seja vendável…) ao ser humano.
Quantos estão cientes de que a justiça precisa da liberdade – mais: do amor à liberdade – para cumprir plenamente a sua vocação?
Quantos ainda têm esperança de que a política possa ser «uma forma superior de amor pelas pessoas e pelo bem comum»? 
Quantos encaram a morte, tão benignamente, como «uma outra parte do mundo» onde se espera «voltar a casa», retomando os melhores momentos vividos nesta vida?
Ou quantos consideram «imortal tudo aquilo que cresce e se desenvolve nesta nossa vida de agora»? Quantos acreditam, mesmo, num amanhã com futuro?
Em tudo isto confia um venerável velhinho que, talvez por isso, tenha feito esgotar um estádio, em Milão, pejado de gente nova e de famílias, vindas das quatro partidas do mundo, para o ouvir. Ousou convidá-las a renovar a civilização do amor, pois ainda acredita que é uma meta possível, num mundo dominado por inúmeras tensões, por um mercantilismo exacerbado, além de outras manifestações de egoísmo igualmente devastadoras. O jornalista italiano, António Gaspari, escreveu sobre o ancião com este título «Quanto mais o criticam, mais as pessoas o ouvem». Que segredo moverá Bento XVI e que mistério poderá explicar o seu sucesso, apesar das vagas de críticas com que também é, periodicamente, assaltado por uma certa imprensa ideológica do Ocidente rico? 
Convenhamos que é algo irónico vir de um senhor de 85 anos a mensagem de maior empenho pelo futuro. Sabemos bem como a maioria dos chavões da moda estão totalmente fixados no presente, ignorando o dia seguinte, qual roleta russa, em que só os mais fortes ou os “bafejados pela sorte” sobreviverão… É a atitude comum da generalidade das figuras que esgotam estádio, normalmente do showbiz, e sempre super enérgicos. É o caso de um Mick Jagger ou de um Bruce Springsteen, verdadeiros acrobatas em palco, a aguentarem três horas aos pulos e a cantar, ininterruptamente. Simplesmente, parecem esgotar-se ali mesmo, acantonados numa ideia de alcance breve: sex, drugs and rock’roll. Naturalmente (talvez intencionalmente), esquecem-se de explicar que resistir a ressacas e overdoses é um luxo de um par de privilegiados! Bem podiam dar – ao menos, aos mais inexperientes e naives – os contactos das clínicas fantásticas onde (vários deles) se desintoxicam, ciclicamente, no maior dos confortos. Custa perceber uma omissão, que permitiria dar algum futuro a quem resolve levar à letra a divisa, de meio século, de muitos dos rockers de mais talento.
Começa a tornar-se raro acreditar nos novos tempos e, mais raro ainda, bater-se por eles, empenhando-se já hoje para assegurar um amanhã melhor, que possa beneficiar toda a humanidade. No mínimo, é a opção solidária e democrática, por excelência. Até por isso, vale a pena recordar as razões que fazem Bento XVI confiar no futuro, transmitidas(1)  às multidões que acorreram a Itália, há uma semanas, aqui agrupadas em cinco temáticas:

- O FUTURO ASSENTA NO BOM DISCERNIMENTO DE HOJE 
- PARA O TEMPO JOGAR A FAVOR DO AMOR  
- PARA A VIDA SER FESTA
- TORNAR ETERNO TUDO O QUE É BOM
- CARIDADE COMO VOCAÇÃO DO PODER


O FUTURO ASSENTA NO BOM DISCERNIMENTO DE HOJE  
- «(N)ão é a lógica unilateral do que me é útil e do maior lucro que pode concorrer para um desenvolvimento harmonioso, o bem da família e para construir uma sociedade justa, porque traz consigo uma competição exasperada, fortes desigualdades, degradação do meio ambiente, corrida ao consumo, mal-estar nas famílias. Antes, a mentalidade utilitarista tende a estender-se também às relações interpessoais e familiares, reduzindo-as a convergências precárias de interesses individuais...» (Homilia - 3.Junho)
- «(O)s caminhos para (a família) crescer no amor: manter um relacionamento perseverante com Deus…, cultivar o diálogo, respeitar o ponto de vista do outro, estar disponíveis para servir, ser paciente com os defeitos alheios, saber perdoar e pedir perdão, superar com inteligência e humildade os possíveis conflitos, … estar abertos às outras famílias, atentos aos pobres, ser responsáveis na sociedade civil. Todos estes são elementos que constroem a família.» (Homilia  - 3.Junho)


- «(…) A partir do século  XIX, veio a emancipação do indivíduo, a liberdade da pessoa, e o casamento deixou de se basear na vontade dos outros, e passou a assentar na decisão pessoal. (…) (Era) o modelo justo e o amor garantia, por si mesmo, o “sempre”, porque o amor é absoluto, quer tudo e, em consequência, também a totalidade do tempo é “para sempre”. Infelizmente, a realidade não é assim: vê-se que apaixonar-se é belo, mas talvez nem sempre seja perpétuo (…). É belo este sentimento de amor, mas deve ser purificado, deve avançar por um caminho de discernimento, isto é, (…) deve unir-se razão, sentimento e vontade.» (Festa dos Testemunhos - 2.Junho)

PARA O TEMPO JOGAR A FAVOR DO AMOR   
- « A vossa vocação (de amor, em casal) não é fácil de viver, especialmente hoje, mas a realidade do amor é maravilhosa, é a única força que pode verdadeiramente transformar o universo, o mundo.» (Homilia - 3.Junho)
- «E o vosso amor (do casal) … é fecundo para a sociedade, porque a vida familiar é a primeira e insubstituível escola das virtudes sociais, tais como o respeito pelas pessoas, a gratuidade, a confiança, a responsabilidade, a solidariedade, a cooperação.»  (Homilia - 3.Junho)
 - «No rito do matrimónio a Igreja não diz: ‘estás apaixonado?’, mas ‘queres?’, ‘estás decidido?’. Isto é, (…) deve converter-se num amor verdadeiro… de tal modo que todo o homem (…) diz: ‘sim, esta é a minha vida.’». (Festa dos Testemunhos - 2.Junho)
- «Queridos esposos, na vivência do matrimónio, não dais qualquer coisa ou alguma actividade, mas a vida inteira. E o vosso amor é fecundo, antes de mais nada, para vós mesmos, porque desejais e realizais o bem um do outro, experimentando a alegria do receber e do dar.» (Homilia - 3.Junho)

PARA A VIDA SER FESTA
- «O homem, enquanto imagem de Deus, é chamado também ao descanso e à festa.» (Homilia  - 3.Junho)
- «Família, trabalho, festa: três dons de Deus, três dimensões da nossa vida que se devem encontrar num equilíbrio harmonioso.» (Homilia - 3.Junho)
- «Queridas famílias, sois o trabalho e a festa de Deus! Reservando o Domingo para Deus, fazei festa com Deus e repousai, juntos, na Fonte donde brota a vida para construir o presente e o futuro. As forças divinas são muito mais poderosas que as vossas dificuldades! Não tenhais medo!»  (Angelus -3.Junho)
- «O trabalho e a festa estão intimamente ligados à vida das famílias: condicionam as suas escolhas, influenciam os relacionamentos... A Sagrada Escritura (cf. Gn cap. 1-2) diz-nos que a família e o trabalho constituem dádivas e bênçãos de Deus para nos ajudar a viver uma existência plenamente humana. A experiência quotidiana garante que o desenvolvimento autêntico da pessoa exige quer as dimensões individual, familiar e comunitária, (…) como também a abertura à esperança e ao Bem sem limites.» (Carta a preparar o Encontro de Milão – Agosto.2010)
- «(Sermos) capazes de reflectir a beleza da Trindade e evangelizar não só com a palavra mas – diria eu – por «irradiação», com a força do amor vivido.» (Homilia -  3.Junho)


- «Sejam disponíveis e generosos para com os outros, vencendo a tentação de se colocar no centro, porque o egoísmo é inimigo da alegria.»  (Encontro com jovens, no estádio – 2.Jun.)
- «(Dons do Espírito Santo) O dom da ciência, … ensina a encontrar na criação, os sinais, as impressões digitais, de Deus e a animar com o Evangelho o trabalho de cada dia; outro dom é aquela plenitude, que mantém viva no coração a chama do amor pelo nosso Pai (…), de modo a rezar-Lhe em cada dia com confiança e ternura, como filhos amados.» (Encontro com jovens, no estádio – 2.Jun.)
- «Rezamos por vós (dirigindo-se a quem confidenciou passar privações sérias), e esta oração não é só dizer palavras, mas abre o coração a Deus e assim gera também criatividade na busca de soluções.» (Festa dos Testemunhos - 2.Junho)

TORNAR ETERNO TUDO O QUE É BOM
- «O cristianismo não promete apenas a salvação da alma, algures no Além, onde todos os valores e as coisas preciosas deste mundo desapareceriam (…). (Mas) promete a eternidade daquilo que se realizou nesta terra.» (in “Viver a própria fé: pensamentos para cada dia”, editado em 1990)
- «É o ‘homem total’, tal como se situou neste mundo, tal como viveu e sofreu, que será um dia levado para a eternidade de Deus, e que tomará parte, no seio do próprio Deus, na eternidade.» (in “Viver a própria fé: pensamentos para cada dia”)
- «Deus conhece e ama este homem total que somos actualmente. Portanto, é imortal tudo aquilo que cresce e se desenvolve nesta nossa vida de agora. É através do nosso corpo que sofremos e amamos… É, pois, imperecível aquilo em que nos tornámos no nosso corpo, aquilo que cresceu e amadureceu no coração da nossa vida, em ligação com as coisas deste mundo.» (in “Viver a própria fé: pensamentos para cada dia”)
- «Penso frequentemente nas bodas de Cana. O primeiro vinho é muito bom: é o apaixonar-se. Mas não dura até ao fim, deve vir um segundo vinho … um amor definitivo que se converte num ‘segundo vinho’…, melhor que o primeiro vinho.» (Festa dos Testemunhos - 2.Junho)
- «Aqui também é importante que o eu não esteja isolado, o eu e o tu… Só assim, (na) participação de toda a comunidade, dos amigos, … do próprio Deus, brota um vinho que dura para sempre.» (Festa dos Testemunhos - 2.Junho)

CARIDADE COMO VOCAÇÃO DO PODER (não será para todos, achar possível…)
- «A primeira qualidade de quem governa é a justiça, virtude pública por excelência, porque diz respeito ao bem da comunidade inteira  (Discurso às autoridades civis – 2.Junho)
- «‘Aquilo que o amor faz, o medo jamais poderá realizá-lo. Nada é mais útil do que fazer-se amar’ (Sto. Ambrósio, De officiis, II, 29). Por outro lado, a razão que, por sua vez, move (o poder) e estimula a vossa (actividade)… só pode ser a vontade de vos dedicardes ao bem dos cidadãos e, por conseguinte, (…) (ser) um sinal evidente de amor. Assim, a política é profundamente enobrecida, tornando-se uma forma elevada de caridade.» (Discurso às autoridades civis – 2.Junho)
- «…Uma verdade central sobre a pessoa humana, que é o fundamento sólido da convivência social: nenhum poder do homem pode ser considerado divino, e portanto nenhum homem é dono de outro homem. (Discurso às autoridades civis – 2.Junho)
- «O tempo de crise que estamos a atravessar precisa, para além de corajosas escolhas técnico-políticas, de gratuidade, como tive ocasião de observar: ‘A “cidade do homem” não é promovida apenas por relações feitas de direitos e deveres, mas antes e sobretudo por relações de gratuidade, misericórdia e comunhão.’ (Enc. Caritas in veritate, 6).» (Discurso às autoridades civis – 2.Junho)

A CONCLUIR EM FESTA - UM MOMENTO MUSICAL  NOS  E.U.A.

Envio da forma que me chegou, como presente, o tributo a Paul McCartney, decorrido no Kennedy  Center (será que já foi postado neste blog?...). É daqueles concertos em que as actuações superam – diria – as do ex-Beattle. Tudo com mais fibra. Claro que só podia terminar com toda a sala a cantar e a dançar ao som dos intérpretes dos hits do famoso britânico, a começar pelo casal Obama, mesmo ao lado do homenageado: 



Maria Zarco
(a  preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)
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Note-se que para várias das citações aqui postadas, recorreu-se a outras traduções portuguesas dos originais italianos, podendo assim haver algumas variantes formais, mas que não interferem com o conteúdo da mensagem de Bento XVI. 

5 comentários:

Anónimo disse...

Magnifico post, MZ!!
Obg
fq

Anónimo disse...

Oh Maria Zarco, que maravilha! Bem podias continuar a bafejar-nos com os teus comentários sobre o querido Bento XVI. Bem razão tinhas tu quando o adoravas, ainda não era ele Papa. É um ser absolutamente superior. Lembra-me Sto Agostinho, tão lúcido e profundo é. Neles tudo o que é complicado transmuta-se em simples, em fluído, em compreensível... que dom! Quanto ao Paul McCartney, so right: não tem fibra nenhuma, não lhe acho a mais leve gracinha! Bjs. pcp

Ana CC disse...

Obrigada Maria, estes posts têm que ser lidos e fruídos e saboreados com calma.... hoje à noite vou saboreá-lo,bem como ao presente que deixas que é de facto uma festa da música e dos amigos!
Bjos

Anónimo disse...

Como a pcp bem diz, se desse para acreditarmos na reencarnação, Bento XVI seria a nova versao de Sto Agostinho no séc. XX-XXI... Mas cada pessoa é única e, no fundo, ainda bem que é assim! Bjs e obrig. a todos pelos comentários tão simpáticos e animadores, MZ

Anónimo disse...

MZ, I kept thinking how strange it must be to watch other artists perform your songs and have to sing along when the cameras are spying on your every move! Thanks,PO

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