EVANGELHO
– Lc 9,18-24
Evangelho
de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
Um dia, Jesus orava sozinho,
estando com Ele apenas os discípulos.
Então perguntou-lhes:
«Quem dizem as multidões que Eu sou?»
Eles responderam:
«Uns, João Baptista; outros, que és Elias;
e outros, que és um dos antigos profetas que
ressuscitou».
Disse-lhes Jesus:
«E vós, quem dizeis que Eu sou?»
Pedro tomou a palavra e respondeu:
«És o Messias de Deus».
Ele, porém, proibiu-lhes severamente
de o dizerem fosse a quem fosse
e acrescentou:
«O Filho do homem tem de sofrer muito,
ser rejeitado pelos anciãos,
pelos príncipes dos sacerdotes e pelos
escribas;
tem de ser morto e ressuscitar ao terceiro
dia».
Depois, dirigindo-Se a todos, disse:
«Se alguém quiser vir comigo,
renuncie a si mesmo,
tome a sua cruz todos os dias e siga-Me.
Pois quem quiser salvar a sua vida, há-de
perdê-la;
mas quem perder a sua vida por minha causa,
salvá-la-á».
***
Todos os caminhos que fazemos com alguém têm sempre encruzilhadas.
São momentos e situações de escolha, que comprometem a ir juntos mais além, ou
deixam cada um seguir vias diferentes. Em Cesareia de Filipe Jesus provoca um
desses momentos. Com a aparência de um inquérito interpela os discípulos sobre
a sua identidade. Gosto de imaginar este momento com a densidade dos
apaixonados que se perguntam: “quem sou eu para ti?” Se foi importante
saber as opiniões diversas que circulavam sobre Jesus, creio que foi essencial,
para Ele, saber o que pensavam os seus amigos. E a resposta de Pedro tem um
sabor doce e amargo: doce pois reconhece n’Ele o salvador, mas amargo, porque
as ideias de salvação eram (e às vezes ainda são) muito distorcidas.
As perguntas de Jesus foram duas mas uma terceira poderia ser colocada:
quem dizem hoje as multidões que são os discípulos e amigos de Jesus? Quem não
conhece o evangelho, e não tem nenhuma base religiosa, acaba por saber de Jesus
apenas aquilo que transmitimos. E não são as diferentes opiniões àcerca de
Jesus que originam as maiores confusões: são as atitudes que podem ser tão
diferentes e, às vezes, pouco evangélicas. Pois o confronto com o evangelho
será sempre o maior critério de autenticidade, e se até entre os discípulos,
logo na igreja nascente, surgiram opiniões diversas àcerca de Jesus e da
missão, o que ninguém punha em dúvida era o essencial do mandamento do amor, a
centralidade dos pobres e a adoração a Deus em espírito e verdade.
Após a resposta de Pedro Jesus faz o primeiro anúncio da sua paixão. Os
evangelhos sinópticos referem-no e Lucas concretiza ainda mais este seguimento
de Jesus: “tome a sua cruz todos os dias e siga-me”. É verdade que não é
aliciante esta linguagem da cruz, quantas vezes revestida de um dolorismo e de
uma apologia do sofrimento, que têm tão pouco a ver com a libertação que Jesus
traz. A cruz relaciona-se directamente com a autenticidade, com a vida dada por
amor e dada até ao fim. Significa abraçar a totalidade do nosso ser, a
fragilidade de criaturas e a grandeza de ser amados. Jesus não convida ao
sofrimento mas a ultrapassá-lo pelo amor e a vencer as suas causas no empenho
pela justiça, na coragem da verdade e da paz
Vivemos dias difíceis em Portugal e no mundo: guerra na Síria,
manifestações na Turquia e no Brasil, greves e conflitos na educação no nosso
país. Explicações? Muitas, e talvez em todas a mesma pergunta feita pelas
populações aos governantes e que os governantes deviam fazer aos seus
concidadãos: “Quem dizeis vós que nós somos?” Por aqui, ainda que muito
de errado precise ser corrigido em direitos e benefícios extravagantes, também
no campo da educação, desgosta-me o desprezo generalizado a quem abraçou o
serviço de ensinar e é avaliado como mero parafuso de uma engrenagem. Afinal,
talvez Jesus nos pergunte: “quem dizemos nós o que somos uns para os
outros?”
P. Vitor Gonçalves
in Voz da Verdade 23.06.2013
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