05 junho 2013

Diário de uma astróloga – [53] – 5 de Junho de 2013


Outra dimensão de Hermes / Mercúrio



E que enormes preocupações! Estas palavras foram registadas por Anne Frank no seu diário, no dia 5 de Abril de 1944. Estava com a sua família escondida num anexo de um prédio devoluto em Amesterdão. A polícia nazi procurava judeus para os mandar para campos de concentração, o que era sinónimo de morte certa. A família Frank, composta de pai, mãe e duas filhas, era judia, originária da Alemanha mas refugiada na Holanda desde que Hitler tinha subido ao poder, em 1933.

Anne Frank recebeu como presente de anos um caderno em branco no dia em que festejou o seu 13º aniversário (12 de Junho de 1942). Poucos dias depois, ela e sua família viram-se obrigadas a largar a casa onde habitavam, entaipando-se no esconderijo onde permaneceram durante dois anos sem sair à rua.

Exprimir a sua criatividade escrevendo o seu diário permitiu à jovem Anne encontrar um escape, um refúgio para a insegurança e terror em que vivia.

Qualquer acto criativo exige uma concentração que nos faz esquecer as preocupações do dia-a-dia porque nos focamos inteiramente no que estamos a fazer. É a expressão única de quem nós somos e, em termos astrológicos, é simbolizado pelo Sol.  


Mercúrio é o planeta que representa o poder de comunicação, a actividade mental. Anne Frank tinha o Sol e Mercúrio em conjunção no signo de Gémeos, signo de que Mercúrio é regente. Tinha uma fortíssima energia geminiana, e por isso não admira que Anne Frank tenha escolhido a escrita para se exprimir. Tinha poucas pessoas com quem falar, e o diário substituía o diálogo, a troca de ideias tão necessárias ao signo ligado à comunicação.

Mas, para compreender plenamente a frase de Anne Frank, tenho de explorar outra dimensão de Hermes/Mercúrio. Na mitologia greco-romana, ele era o mensageiro dos deuses que veiculava informação, não só entre eles, mas também entre deuses e mortais. Era a única divindade capaz de ir às profundezas escuras dos domínios de Hades/Plutão e voltar ileso. Todos os outros deuses não se atreviam a ir tão fundo, com medo de lá ficarem presos. Hermes/Mercúrio no seu papel de psicopompo acompanhava tanto os mortos como os vivos ao mundo subterrâneo, isto é, ao inferno. Umas pessoas ficavam lá, e outras voltavam à superfície depois de passarem por um mau bocado, mas regeneradas.

A tradução desta mitologia em termos astro-psicológicos significa que é através de processos mercurianos – comunicação, escrita, psicoterapia falada – que descemos às profundidades do inconsciente de forma a trazer para a luz do consciente assuntos que julgamos enterrados, material reprimido, enfim, os nossos monstros pessoais que por vezes causam a nossa perda. Carl Jung afirmava que a função psicológica de Hermes/Mercúrio era a de ser o mediador entre o inconsciente e o consciente, o guia no mundo das trevas. 

Os símbolos astrológicos manifestam-se também no mundo material. A jovem Anne Frank não tinha com certeza monstros no seu inconsciente, mas verdadeiros monstros povoavam efectivamente o seu quotidiano, ameaçavam arrombar a porta a qualquer minuto e arrastá-la para os domínios de Hades/Plutão, os infernais campo de extermínio. O seu Sol e Mercúrio em Gémeos foram o guia nesta jornada de dois anos, e concederam-lhe, através da escrita, as pausas do horror em que vivia, isto é, como ela diz com leveza,  permitir-lhe “sacudir as suas preocupações”.

A última entrada no Diário de Anne Frank foi registada a 1 de Agosto de 1944. Três dias depois foram descobertos pela polícia. A família Frank foi enviada para Auschwitz, onde a mãe morreu de fome, tendo Anne e a sua irmã contraído uma febre tifóide fatal em Bergen-Belsen, em Março de 1945. Otto Frank sobreviveu, recuperou o diário da sua filha e deu-o a conhecer ao mundo.

Hoje, no retorno de Urano, 84 anos depois do nascimento da geminiana Anne Frank, aqui fica uma reflexão que completa o lado leve, divertido, aparentemente inconsequente do arquétipo Gémeos/Mercúrio.  


Luiza Azancot

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