05 junho 2014

Poesias dos dias que correm



Não conheço Matilde Campilho. Conheço o Pai, de quem sou amigo há 50 anos, talvez, mesmo que seja uma amizade quase nada militada. E no entanto, quando recuo e recuo e recuo nas minhas memórias recuo quase cinquenta anos. E vejo-me na praia de Cascais, a andar de chata e a beber sumo de tomate natural que a Rosa - mademoiselle (como se dizia) da família do pai Matilde - levava num termus, talvez.

Através do homem de Azeitão soube da existência da Matilde. Soube depois que tinha publicado um livro que ainda não tive oportunidade de ler, menos ainda de comprar. É de poesia. Não faço ideia, confesso, se é bom ou não. Não sou entendido em nada de importante, menos ainda de poesia. Quem a lê / ouve ajuizará. Deixo-vos com um video e um texto. 

JdB



Príncipe no roseiral

Escute lá
isto é um poema
não fala de amor 
não fala de cachecóis 
azuis sobre os ombros 
do cantor que suspende
os calcanhares 
na berma do rochedo
Não fala do rolex 
nem da bandeirola 
da federação uruguaia
de esgrima 
Não fala do lago drenado
na floresta americana
Não diz nada sobre 
a confeitaria fedorenta
que recebe os notívagos
para o café da manhã 
quando o dia já virou
Isto é um poema 
não fala de comoções
na missa das sete 
nem fala da percentagem 
de mulheres que se espantam
com a imagem do marido
aparando a barba no ocaso
Não fala de tratores quebrados
na floresta americana
não fala da ideia de norte 
na cidade dos revolucionários
Não fala de choro 
não fala de virgens confusas
não fala de publicitários 
de cotovelos gastos 
nem de manadas de cervos
Escute só
isto é um poema 
não vai alinhar conceitos
do tipo liberdade igualdade e fé
Não vai ajeitar o cabelo
da menina que trabalha
com afinco na caixa registadora
do supermercado 
Não vai melhorar 
Não vai melhorar 
isto é um poema
escute só
não fala de amor 
não fala de santos 
não fala de Deus 
e nem fala do lavrador 
que dedicou 38 anos
a descobrir uma visão 
quase mística
do homem que canta
e atravessa 
a estrada nacional 117
para chegar a casa
ou a algum lugar 
próximo de casa.

2 comentários:

Rita Freitas disse...

Gostei imenso, não conhecia.

Antônio disse...

Matilde Campilho é simplesmente hoje uma das maiores poetas em língua portuguesa! uma barbaridade o que ela escreve. é sempre ler e nunca mais esquecer;;;

Acerca de mim

Arquivo do blogue