Há muitos anos - quase cinquenta, por aí - havia quem fizesse colecção de autógrafos. Uns juntavam-nos nas folhas de papel mais diversas - bilhetes de espectáculos, recortes, etc. - outros em livros criados especialmente para o efeito, como os álbuns de selos. Eu nunca fui dado a qualquer tipo de coleccionismo (sou mais ajuntador de um ou outro artigo), mas tenho a ideia desse tempo. Íamos a uma corrida de touros e queríamos uma assinaturazinha do cavaleiro ou do forcado, porque o peão de brega não nos pareceria relevante. Era um tempo, talvez, em que havia uma espécie de mito dos artistas. Os actores de cinema, os cantores, os desportistas ou outra gente quejanda pareciam-nos ser de acesso difícil por viverem num plano (e numa idade) superior ao nosso. Era por isso que lhes pedíamos autógrafos - para termos uma evidência objectiva, se não da sua existência, pelo menos da sua passagem pelo nosso horizonte visual ou extensão de um braço.
Hoje, estou em crer, tudo isso acabou, pelo menos em Portugal. Os actores de novelas pululam por aí nas festas e na noite roçando-se pelo comum dos mortais, os actores de cinema são os actores de novelas a quem foi dada uma oportunidade melhor, os escritores são gente moderadamente comum e com os cavaleiros tauromáquicos (de quem só uma minoria se interessa em Portugal) podemos cruzar-nos num linear do Continente que vende duas gelatina pelo preço de uma. Os nossos melhores desportistas estão lá fora, e os verdadeiros fãs desinteressam-se do autógrafo do Ronaldo, preferindo levantar alto uma cartolina A2 onde se escreve uma frase simples, sem hipótese de erros ortográficos: "Cristiano, faz-me um filho!"
Lembrei-me deste raciocínio pateta num fim de tarde outonal. É que Domingo estive largos minutos à conversa com o Rui Veloso, encostados ambos à barra de um bar com vista sobre alguma cidade. Apresentaram-nos e eu disse-lhe o meu nome. Ele disse simpaticamente olá, porque não carecia de mais nada. Falámos do Tony Carreira, sobretudo, e um pouco de futebol. Abordámos o piquenicão gigante de Lisboa e alguém lhe perguntou pelos filhos. Gostei de o conhecer e de o ver, quanto mais não seja porque numa festa de 30 pessoas, talvez, ele era o mais velho. Logo a seguir vinha eu, a seis meses de distância. Há cinquenta anos ter-lhe-ia pedido um autógrafo, assim como ao outro cantor e duas actrizes com quem, no mesmo coktail, podia ter roçado um braço na luta por um camarão panado. Perdeu-se o fascínio ou é da minha idade?
Deixo-vos, algo nostalgicamente, com Rui Veloso, a quem não pedi um autógrafo, talvez por eu já ser demasiado velho para ter ídolos da canção.
JdB
1 comentário:
O autografo era o facebook e o instagram dos tempos idos, servia igualmente para atestar uma vivência "importante",o ter estado com ou o ter estado em. È por isso e por eu ser antigo que ainda lhe hei-de de pedir o seu,JdB.
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