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Sempre fui um homem dado aos sinais. Gosto de associar actos importantes na minha vida a datas específicas, algumas das quais só eu sei. Gosto de assinar alguns documentos com uma caneta específica, recuso-me a assinar outros documentos com a mesma caneta específica, porque há a pessoalidade e o horror à pessoalidade.
Nos últimos tempos - talvez desde o dia 15 de fevereiro - que o tema terra, semente, esperança, imprevisibilidade - me acompanham. No dia referido estava no Porto, no lançamento da primeira pedra da futura casa da Acreditar, que acolherá crianças com cancro e suas famílias, onde falei sobre a parábola do semeador; um destes dias, a propósito de projectos, voltei a falar de sementes, da necessidade de acreditar quando as lançamos à terra. Ontem, no meu paredão matinal, mencionou-se a morte de Armando Sevinate Pinto, um homem ligado ao campo, e mencionou-se também a homilia da missa de corpo presente onde se terão referido estes temas - semear, acreditar, desaparecimento, imprevisibilidade.
Dentro de pouco mais de duas semanas teremos uma horta em casa. Será um espaço todo sujeito às regras da permacultura, onde não se usarão químicos, onde se colocará o legume A ao lado do legume B porque a companhia é benfazeja para ambos; onde colocaremos a erva X no sítio certo para afugentar os coelhos, não para os matar; onde a terra se regenerará por processos naturais e onde as galinhas poedeiras, que também as haverá, debicarão os frutos, que também os haverá, que cairem na terra, onde um prato com cerveja atrairá caracóis e lesmas para um estado para lá do olvido.
Uma horta pode ser só uma horta. Mas uma horta pode ser uma metáfora para a vida: a esperança, o trabalho diário, o fracasso, as primeiras colheitas, o ciclo que se renova a cada ano, o estudo, as técnicas não invasivas, a definição das companhias certas, a dimensão social do não desperdício e do aproveitamento da terra, o regresso ao small is beautiful, o encanto das coisas caseiras.
Uma horta pode ser só uma horta. Mas se eu lhe associar algo especial talvez seja mais do que umas dores nas costas ou umas mãos vagamente gretadas. Talvez seja uma possibilidade.
JdB
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