29 abril 2015

Do sentido da vida

A Associação Vale de Acór dedica-se há 21 anos a recuperar toxicodependentes. Em todos eles, pobres ou ricos, há uma coisa em comum: "querem fugir à dor e ao sofrimento", diz o fundador da associação, Pedro Quintela.
É um padre com uma vasta experiência de acompanhamento de casos difíceis, de gente esmagada pelo consumo de drogas e outras atribulações da vida. Diz que o ambiente de uma comunidade é regenerativo: "O homem ultrapassa muito o que diz o boletim clínico do próprio homem." 
O método da Associação Vale de Acór aposta na logoterapia. Quintela explica porquê: "O que nos cura não é mexer muito no passado, como as correntes freudianas; não é a pretensão sobre o presente, como dizem outras correntes. Aquilo que me pode libertar do que está a acontecer de negativo e destrutivo, é encontrar para a vida um significado, um sentido". 
***
Encontrei esta entrevista, de que tiro excertos, mas que pode ser lida e ouvida na íntegra aqui, há pouco menos de um mês. Dois aspectos prenderam a minha atenção: a amizade que me liga há 40 anos, seguramente, à família do Padre Quintela, nomeadamente ao seu irmão mais velho, também bloguista regular neste estabelecimento. E também a expressão logoterapia, que me fez recuar quase duas décadas.

Já aqui contei a história: há muitos anos frequentei um curso de gestão da mudança para quadros da multinacional onde trabalhava. Um dos professores mencionou abundantemente o conceito de sentido da vida, voltando a ele sem qualquer razão aparente para o âmbito da formação. Mencionou Viktor Frankl, judeu preso num campo de concentração, pai (presumo) desta ciência. No fim, para me satisfazer um curiosidade não exteriorizada, informou-nos que tinha um filha pequena e deficiente profunda. Tinha sido o conceito de sentido da vida que, de alguma forma, o tinha salvo. Li o livro que tinha sido mencionado na formação, e pouco me disse.

Muitos anos depois (e repito outra história) telefonaram-me para rezar por uma criança pequena a quem teria sido diagnosticado um cancro. Veio-se a descobrir que o estado de saúde da criança era bem menos grave do que se supunha. A avó diria a alguém: não podemos perguntar porquê, mas para quê. À sua maneira, esta frase revelava a procura de um sentido das coisas. E lembro-me amiúde de um frase (de Karen Blixen) com que dediquei inúmeros exemplares do Deus pregou-me uma partida, livro onde abordei (abordámos) o sentido: Todos os sofrimentos são suportáveis se fizermos deles uma história. E lembro-me dos outros que encontraram um sentido para a tensão de ser terem libertado de adições que os consumiam e consumiam o projecto maior em que se tinham envolvido.

Viktor Frankl, Pe. Pedro Quintela, os aparentemente desgraçados que enchem o Vale d’Acór, Karen Blixen, a avó sofrida, o professor sofrido, eu, os que largam vícios, e tantos outros. O que nos une a todos? O sentido que temos de dar à vida, o desafio de agarrar no sofrimento e fazer dele uma narrativa. Não nos fecharmos na angústia de perguntar porque motivo nos acontecem as coisas, mas o que fazemos com elas. Não sou seguramente igual aos outros no que fizeram, mas sou igual aos outros no que quiseram fazer.

A repetição pode ser maçadora e sinal de senilidade, mas pode também ser o reavivar do que é importante, para que os caminhos pedregosos não sejam apenas caminhos pedregosos mas vias com um destino, apesar de tudo o que fica pelo caminho – choros, lágrimas, perdas, desgostos, lutos.

Deixo-vos com Viktor Frankl, o homem que reli em 2001 e que, de alguma forma, me salvou. Foi o ano de todos os anos, e o livro viria a fazer a diferença...

“(...) Precisamos aprender e ensinar às pessoas desesperadas que, em rigor, não interessa o que nós ainda temos a esperar da vida, mas sim exclusivamente o que a vida espera de nós (...).”

“(...) Quando um homem descobre que o seu destino lhe reservou um sofrimento, tem também que ver neste sofrimento uma tarefa sua, única e original. Mesmo diante do sofrimento, a pessoa precisa de ganhar a consciência de que ela é única e exclusiva em todo o universo, dentro deste destino sofrido. Ninguém a pode substituir no destino, e ninguém pode substituir a pessoa no sofrimento. Mas na maneira como ela própria suporta este sofrimento está também a possibilidade de uma realização única e singular (...).”

 “(...) O sentido da vida modifica-se sempre, mas nunca deixa de existir. Podemos descobrir este sentido na vida de três formas diferentes: 1. criando um trabalho ou praticando um acto; 2. experimentando alguma coisa ou encontrando alguém; 3. pela atitude que tomamos em relação ao sofrimento inevitável (...)”

 “(...) Nunca nos devemos esquecer que também podemos encontrar sentido na vida quando nos confrontamos com uma situação sem esperança, quando enfrentamos uma fatalidade que não pode ser mudada. O que interessa, então, é dar testemunho do potencial especificamente humano no que ele tem de mais elevado e que consiste em transformar uma tragédia pessoal num triunfo, em converter o nosso sofrimento numa conquista humana. Quando já não somos capazes de mudar uma situação – podemos pensar numa doença incurável – somos desafiados a mudarmo-nos a nós próprios (...)”

JdB

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