Este meu novo projecto expositivo consta de 80 retratos que fui fazendo ao longo dos anos a pessoas oriundas de ambientes sócio-culturais muito diversos – do meio da cultura, a grande maioria, a pastores transmontanos e um poeta popular algarvio.
Muitos destes retratos foram já publicados em revistas de arte ou outras, integradas em projectos editoriais nos quais participei.
Cada retrato será acompanhado por um comentário do retratado, descrevendo o que sente e lhe sugere esta imagem que fui desenterrar na sua “alma”. Interessa-me sobretudo, aqui, a relação entre o retrato, enquanto fragmento de uma identidade mais complexa, e a sua perspectivação psicológica atribuída pelo indivíduo retratado que se revê ou não no que é mostrado. É esse jogo de identificação do indivíduo retratado consigo mesmo ou consigo enquanto “outro” que pretendo mostrar.
Carlota Mantero
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Quando há cerca de trinta anos comecei a fotografar com uma máquina boa, o meu gosto ia para o retrato - sobretudo dos meus filhos, a quem punha um chapéu (panamá, de côco, de palhinha...) e a quem obrigava ao imobilismo. Também fotografava paisagens, mas, nessa vertente, a minha qualidade, em termos de classificação salesiana, não seria mais do que um "satisfaz".
Passados trinta anos, deixei de fotografar retratos. Não me habituei a tirar retratos com estas máquinas modernas e compactas porque não domino o zoom e sinto-me demasiado perto para encher a fotografia com uma cara. Agora fotografo claustros, janelas, telhados, pormenores dissonantes, simetrias e assimetrias. Parece-me, passe a presunção, que mereço um "satisfaz bem".
Não obstante o que fotografo agora, o que me dá gosto ver são retratos. Não retratos de gente famosa numa estância de ski, mas de gente comum, vulgar, que não se assinala por nada de especial, apenas por sorrir, amar, sofrer, ter dores de pernas, pequenos achaques e alegrias, fetiches e ilusões. E por isso me deu tanto gosto esta exposição da minha querida prima Carlota Mantero, que também me deu o gosto de me fotografar. São, como ela diz, 50 retratos: gente séria, gente feia, gente que ri, que se entristeceu naquele preciso dia por um motivo qualquer; gente bonita também, que esconde um mundo por trás de uns olhos vivos, umas mãos tranquilas ou um cabelo desgrenhado; gente que esconde mistérios, transmite paz ou inquietação. Acima de tudo, gente anónima que fala de si com criatividade, de forma sucinta ou mais extensa, que cita uma frase que lhe tocou por um motivo qualquer.
Não cabe, no espaço deste blogue ou na mente do dono do estabelecimento, falar com propriedade e vagar sobre o retrato, mas gostaria de afirmar que a exposição me deu um enorme gosto, não só por ser de quem é, mas pela aura de mistério que abre, pela infinidade de devaneios que proporciona. Talvez aqui venha um dia falar disso em mais detalhe mas, para já, fica a interrogação com que termino o meu texto: quem sou eu naquela fotografia? Quem somos nós nos retratos que nos tiram?
JdB
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