NATAL ÚTIL E ORIGINAL JUNTO AO PRÍNCIPE REAL
Para saborear a Lisboa dos monumentos antigos e lindos, que resistiram ao terramoto de 1755, seguido de tsunami, a aproximação do Natal convida a um brunch no claustro ou no salão-refeitório do Convento dos Cardaes, onde os muitos petiscos seguem à letra as magníficas receitas conventuais. Percebe-se por que este brunch atingiu as 5 estrelas na votação do Tripadvisor:
A 300 metros do Príncipe Real, mesmo nas franjas do bairro dos antiquários, este Convento (1) tem, diariamente, chá & scones. Até o livro de receitas está disponível para partilhar os truques culinários das monjas que se instalaram na Rua do Século, em 1703.
Até 16 de Dezembro, a Venda de Natal dos Cardaes dispõe ainda de bancas com presentes para todas as idades e bolsas, além da loja tradicional repleta de frascos de compota, geleias, chutneys, molhos exóticos, caviares maravilhosos e biscoitos de muitas variedades. As receitas da venda revertem a favor das cerca de 40 doentes que o Convento mantém a seu cargo, desde o século XIX.
A somar aos petiscos e presentes, também é possível visitar o espólio monumental daquele espaço carregado de história e de arte, sendo das poucas estruturas pré-pombalinas que ainda persiste. O edifício foi construído para as Carmelitas Descalças, a mando de D. Luísa de Távora, que veio a ingressar no Carmelo. A austeridade exterior esconde os tesouros de arte sacra do interior, onde sobressai a talha dourada ou os painéis de azulejos holandeses na Igreja maior, as telas setecentistas e oitocentistas por todo o edifício, os lambris de azulejo português, as imagens em madeira estofada, os tectos de masseira em caixotões e as inúmeras peças de mobiliário em madeira policromada como os pequenos oratórios e trípticos utilizados para o mesmo efeito [no gin de 17 de Nov.2014 descreve-se o edifício com mais detalhe].
Igreja principal nas duas perspectivas: da clausura com o portal emoldurado por telas soberbas, e do altar-mor revestido a talha dourada. |
Na entrada pela rua do Século, recebe-nos o Pequeno dono da casa. |
Num nicho, na escadaria do convento, destaca-se a imagem da Senhora do Loreto. |
As maquinetas são outra das preciosidades guardadas neste Convento. |
Azulejaria e madeira policromada abundam. |
Por vicissitudes da história, no século XIX, o convento começou a receber doentes cegas de condição desfavorecida, para as defender dos abusos e da miséria a que estavam votadas. A iniciativa partiu da III Condessa de Rio Maior, apoiada por um conjunto de senhoras, que fundaram a Associação Nossa Senhora Consoladora dos Aflitos, aproveitando o edifício deixado pelas Carmelitas. A partir de 1877, o cuidado das doentes passou a ser assegurado de forma permanente pelas Irmãs Dominicanas, que ali permanecem até hoje.
O próprio nome da associação – «Nossa Senhora Consoladora dos Aflitos» – resume bem a situação que se vive dentro daquelas paredes espessas do Convento. Por um lado, lembra até que ponto as Irmãs e as suas “protegidas” vivem no fio da navalha, dependentes dos donativos, do voluntariado que (felizmente) continuam a atrair e destas vendas ocasionais. Por outro lado, remete para a missão consoladora junto de enfermas crónicas, num dia-a-dia à mercê da generosidade (quando há…) do cidadão comum. No fundo, aflitas mas nada falhas de uma fé vigorosa, que acredita também no ser humano!
Movidas por esse espírito de confiança, os Cardaes voltam a contar connosco para poderem manter uma casa, que nem mesmo após a implantação da República (1910) se extinguiu, apesar das tentativas drásticas das autoridades. Só que, mal expulsaram as Irmãs para as encarcerar no Arsenal da Marinha, levantou-se tal alarido entre as cegas ao cuidado da Ordem e os próprios vizinhos, que tiveram de autorizar o regresso da Congregação Dominicana. Dizem que pesou, sobretudo, o choro contínuo das doentes. Bastou-lhes 48 horas para demover uma polícia mandatada pelo regime anticlerical de Afonso Costa. Fica a pergunta: quanto tempo demorará a nossa geração – a das causas solidárias – a sentir-se interpelada?... Uma resposta que implica escolhas concretas, muito a ver com o Natal.
Também a nova coqueluche musical francesa tem a ver com o Natal. Aos 27 anos, Vianney assina a música mais vista no youtube, além de contracenar com Fanny Ardant numa peça que está a dar brado em Paris – «Ma mère est folle». Falta-lhe só estrear-se na Sétima Arte. Apesar do sucesso: continua a levar uma vida pacata, oposta à dos transgressores do hard rock, sem vergonha de ser o melhor da turma e de ter gostos simples. Estranham, porque: «não bebe, não fuma, não se droga, antes: canta, reza e o cinema estende-lhe os braços. A sua única insolência: ‘Je suis toujours heureux!’»(2) Soma uma segunda provocação: viajou até Estocolmo de bicicleta para encontrar a inspiradora do seu êxito musical – «Pas là». Generoso, quis brindar a multidão que se acotovela pela Gare de Lyon com uma interpretação, ao vivo, de «Pas là». Mesmo numa gravação de menos qualidade, fica bem evidente o alcance da surpresa, que chegou ao requinte de deslocar um piano para o átrio da mega estação de comboios. Como dizem os franceses – foi um presente «comme il faut»:
Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas, numa Quarta-feira)
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(1) Horários: o chá-15h30 às 19h00; os brunchs aos Sáb. e Dom.-12h00-15h00; a venda das 14h00-20h00. https://www.conventodoscardaes.com/visite.html. Tel. 213 427 525.
(2) In «Paris Match» de 28.Nov.2018.
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